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domingo, 27 de maio de 2018

Pinochet e Milton Friedman



“A história sugere que o capitalismo é uma condição necessária para a liberdade política. Claramente não se trata de uma condição suficiente.”

“Não tenho nada de bom a dizer sobre o regime político imposto por Pinochet. […] Era um regime político terrível. O verdadeiro milagre chileno não tem a ver com o quão bom foi o desempenho econômico do Chile; o verdadeiro milagre esteve na disposição de uma junta militar em contrariar os seus princípios e apoiar reformas de livre mercado, deixando que elas fossem implantadas por defensores sinceros dos princípios de livre mercado. No Chile, o motor do novo regime de liberdades políticas foi gerado pela liberdade econômica, assim como pelo sucesso econômico resultante desta, dando origem ao referendo que introduziu um regime politicamente democrático.”

(Milton Friedman)

Um dos casos mais interessantes e controversos de aplicações dos princípios de liberdade econômica para os amantes (e críticos) do livre-mercado é o Chile de Augusto Pinochet, no processo conhecido como o Milagre do Chile.

Por um lado o ditador governou o país com mão de ferro por quase 17 anos (1973-90), torturando e matando opositores, restringindo por anos liberdades civis e políticas. Por outro, ele implementou medidas econômicas baseada em princípios de livre-mercado, valorização da propriedade privada e do empreendedorismo, baseada na chamada Escola de Chicago e que em grande parte fundamentaram a transição para democracia.

Então ficam as perguntas: foi Pinochet um neoliberal “autoritário”? Ele tinha apoio dos patronos da Escola de Chicago, em especial Milton Friedman? Qual o seu papel para a difusão da liberdade econômica no Chile?

Para entender essa situação conflitante, é necessário voltar um pouco no tempo, para antes do golpe de Pinochet e ver os nefastos efeitos das políticas econômicas de seu antecessor, o socialista Salvador Allende, e continuadas nos primeiros anos do governo militar chileno.

O Governo Allende

Salvador Allende assumiu como presidente em 1970, tendo sido apoiado por socialistas e comunistas, tendo inclusive o apoio direto de Fidel Castro. Naquela época, tanto o Chile como outros países Latino-Americanos acreditavam na legitimidade do uso da força pelo Estado para “promover” desenvolvimento, distribuição de riquezas e justiça social e em muitos lugares ainda se acreditava fielmente no sonho comunista professado em curso na Ilha Caribenha.

Baseado nisso, Allende, usando de seu poder executivo, nacionalizou diversas empresas, desapropriou fazendas, e aumentou os programas sociais de transferência de renda num típico pacote de medidas populistas. Além disso, ele limitou significativamente o comércio internacional, restringindo o acesso a bens e serviços para os chilenos, mas “protegendo” grupos de interesse locais.

As medidas geraram desorganização econômica e incertezas: quais propriedades o governo ia tomar em seguida? O governo liberaria a volta das transações com outros países? O governo cumpriria com suas obrigações para seus credores? Quando se daria a volta da liberdade?

Essa desorganização econômica levou ao caos, visto que com o passar do tempo, o governo ficou sem dinheiro para manter os programas que tinham sido implementados — qualquer semelhança com o Brasil atual não é mera coincidência –, a inflação chegou a subir 22% em um único mês por causa da desastrosa política monetária — tendo um máximo anual de 140%, e uma inflação anualizada de 1000% em Setembro de 1973 –, as reservas internacionais desapareceram e o país entrou em rápida recessão.

A escalada de fracassos foi tão grande, que em 1973 a Suprema Corte Chilena denunciou as medidas presidenciais como sendo inconstitucionais, o que abriu as portas para um golpe de Estado que aconteceu em Setembro do mesmo ano. Allende cometeu suicídio pouco depois do golpe ser desferido e o chefe da junta militar, Augusto Pinochet, foi proclamado presidente chileno. Era o começo de um governo de extremos.

Pinochet e as políticas opostas no Chile

O governo Pinochet se iniciou com ampla restrição das liberdades civis, políticas e sociais. Há uma estimativa de três mil mortos durante os anos de ditadura, somados a cerca 25 mil aprisionamentos e torturas, incluindo de mulheres e crianças. Os dois primeiros anos, do final de 73 ao começo de 75, foram os mais duros em termos de medidas autoritárias, eliminação da oposição e repressão a críticas ao governo. Por exemplo, a lista de presos desaparecidos contabiliza mais de 300 nomes em apenas 3 meses de 73, número que cai para 125 em todo ano de 1974, e 110 somando-se 1975 e 1976.

Associado a isso, os primeiros anos do governo de Pinochet seguiram a cartilha desenvolvimentista nacionalista com foco em protecionismo, substituição de importações, e política monetária desastrada. Algo muito parecido com a economia durante os anos do governo militar brasileiro e de 2008 para cá no governo petista. Graças a essa política, a inflação continuou a aumentar — chegando a valor atualizado de 700% em 75 — e os bens se tornaram cada vez mais escassos, o que gerou protestos e greves amplamente reprimidos. A fórmula não dava certo…

Vendo que o país continuava em uma situação problemática, Pinochet decidiu buscar ajuda de economistas que não professavam a cartilha nacionalista e que não estavam ligados à política econômica dos anos de Allende. Assim, ele escolheu como conselheiros um grupo de economistas chilenos que havia sido treinado pela Universidade de Chicago ou pela Universidad Católica de Chile, o qual passou a ser conhecido como Chicago Boys. [1]

Esses economistas redesenharam a abordagem econômica do governo, passando de um modelo top-down para um sistema bottom-up, ou em termos leigos: trocaram a centralização estatal por princípios de livre-mercado, algo diametralmente oposto às medidas de Allende e daquelas defendidas pelos militares no governo. As medidas que fundamentariam esse programa seriam inicialmente dolorosas — gerando desemprego e contração econômica no curto prazo –, mas criariam as bases para um crescimento sustentável e uma melhoria na condição de vida da população, sendo bem similares a pacotes de austeridade e liberalização propostos atualmente em especial na Europa.

Vale lembrar que essa linha ideológica dos economistas não contrastava apenas com a realidade chilena, mas com toda a política econômica da América Latina. Durante os anos 60 a 90, vários governos implementaram fortes políticas de centralização econômica como no caso do Brasil — algo repetido pelo governo Dilma Rousseff –, da Argentina Peronista e de Videla, ou do Peru dos militares.

Ressalta-se que a escolha de Pinochet pelos Chicago Boys se deve muito mais por um aspecto pragmático do que ideológico: ele sabia que as políticas de Allende não deram certo, sabia que os economistas ligados ao governo naquela época professavam a mesma visão estatizante do seu antecessor e sabia que, em uma situação de caos econômico, qualquer chance de se manter no poder seria mínima. A escolha pelos Chicago Boys então fazia sentido pois resolveria os problemas econômicos do país e acalmaria o clamor popular, postergando em si a necessidade de se abrir mão do governo.

A economia chilena voltou a crescer como resultado das políticas de austeridade, de combate a inflação, de abertura de mercado, de valorização da propriedade privada e de respeito a contratos. Adicionalmente, a junta militar viu que era importante cumprir com os compromissos econômicos assumidos com credores e manter uma estabilidade na organização econômica, evitando mudanças drásticas de um momento para o outro, por mais que as condições melhorassem.

Isso criou capacidade de planejamento para a população e permitiu o surgimento de um novo ambiente de negócios no país. Investimentos estrangeiros voltaram conforme as propriedades eram desestatizadas e devolvidas a seus donos originais ou leiloadas no mercado. Desse modo, a pobreza foi reduzida, a mobilidade social aumentou e as bases da atual sociedade chilena foram construídas.




PIB per capita Brasil vs. Chile de 1970 a 2010 (fonte: Projeto Maddison)

Observa-se a evolução do PIB do PIB per capita que no primeiro ano do governo Allende (1970) seguiu o mesmo caminho do Brasil. Entretanto, a partir de 1971, as políticas econômicas começaram a pressionar para baixo o PIB, resultando na recessão de eclodiu em 1975, já no governo Pinochet, fato que levou a entrada dos Chicago Boys no cenário econômico chileno. Desde então, as recessões chilenas aconteceram nos mesmos períodos que as brasileiras, como no começo dos anos 80 em que houve uma queda internacional do preço das commodities, na segunda metade da década de 90 quando da crise dos países emergentes (Rússia, México, Argentina e Tigres Asiáticos) ou em 2008-2009 com a crise financeira internacional.

Além disso, com a evolução econômica e a ampliação da liberdade de trocas voluntárias, a população passou a clamar por mais liberdades civis e políticas — como previsto por Milton Friedman. Por pressão nacional e internacional, Pinochet legalizou os partidos políticos em 1987 e convocou um plebiscito para 1988 que decidiria se ele continuaria como governante até 1997 — votação essa já prevista na constituição de 1980.

A população votou pela saída do general e, assim, a transição democrática foi realizada. Em 1990 o Chile tinha seu primeiro presidente civil eleito democraticamente em 20 anos. O Democrata Cristão Patricio Aylwin, que também fora adversário político de Allende, assumiria o governo e continuaria a cartilha econômica dos Chicago Boys.

E onde entra Milton Friedman nessa história?

Milton Friedman, um dos grandes nomes da Escola de Chicago de Economia, foi mentor de alguns dos Chicago Boys, como Rolf Lüders, Ministro da Fazenda entre 1982 e 1983, além de ter participado durante 5 dias em conferências realizadas no Chile por uma fundação privada em Março de 1975 a convite de Al Harberger.

Após uma das conferências, houve um encontro de aproximadamente 45 minutos entre Friedman e o ditador chileno, no qual o economista exigiu poder falar tudo que pensasse sobre o regime e sobre as medidas que seriam necessárias para ajudar a economia chilena a sair do buraco. Friedman defendeu os benefícios de uma economia livre e a necessidade de liberdade política. Ele sabia que o governante não iria gostar do que seria dito, mas manteve seu posicionamento forte e coerente como defensor de uma sociedade livre. Friedman ainda detalhou as políticas de liberdade econômica e reorganização do mercado chileno em uma carta escrita posteriormente ao encontro.

Esse encontro, entretanto, não sinaliza um endosso de Friedman ao governo chileno. O economista americano, ferrenho defensor da liberdade em todos os campos da sociedade, apresentou similares propostas a governantes de qualquer área do espectro político, como feito em visita a Iugoslávia comunista de Tito, a União Soviética e a China. Ainda vale lembrar que antes mesmo do encontro com Pinochet, Friedman recusou duas nomeações a títulos honorários concedidos por universidades chilenas por elas receberem dinheiro público, visto que isso poderia indicar que ele estaria de acordo com as políticas de um governo que para ele era desumano e terrível.

Milton Friedman chegou a mencionar, em um debate posterior a exibição de uma das partes do seu documentário Free to Choose, que em momento algum apoiava o regime chileno, apesar de reconhecer que devido a maior liberdade econômica a população daquele país experimentava uma melhor qualidade de vida que os habitantes de países comunistas. Ressalta-se que isso é verdade ainda nos dias atuais, em que os habitantes de Cingapura, um país com um regime político híbrido, experimentam um nível de vida absolutamente melhor do que os de Cuba, ou mesmo da Rússia — país com amplos recursos naturais e um regime político parecido com o da cidade-estado asiática, mas com menos liberdade econômica.

Posteriormente, o encontro com o ditador, assim como as políticas econômicas dos Chicago Boys foram amplamente difamados por grupos contrários ao livre mercado que clamam a existência de um apoio de Friedman a regimes ditatoriais, ou mesmo que dizem que o livre mercado só é possível em situações de crise ou restrições a liberdade. Mas em momento algum, Friedman ou outros economistas pró livre-mercado defenderam regimes de restrição de liberdades civis e políticas a fim de conseguir liberdade econômica. Friedman sempre advogou que as sociedades deveriam progredir para a liberdade econômica a partir de medidas graduais amparadas em transparência dos governantes e tomadas em âmbito de respeito pleno a direitos civis e liberdades individuais.

Além disso, o discurso de Friedman sempre seguiu a linha de que uma economia com pouca liberdade resultará em uma sociedade com pouca liberdade, como o que aconteceu na escalada de poder da junta militar após as políticas econômicas de Allende, ou mesmo no Brasil posteriormente as políticas de Jango. Por outro lado, quando a economia é livre, a sociedade tende a melhorar a sua qualidade de vida e buscar liberdade política e individual, algo que se viu no Chile e se observa atualmente em Hong Kong e em outras regiões da Ásia.

Entretanto, Friedman ainda lembrava, é essencial observar como a sociedade usará a liberdade política: será para manter ou destruir a liberdade econômica? E o que vemos no Chile de Bachelet infelizmente é uma caminhada para a redução de liberdade econômica a fim de propagar uma narrativa de disputa de classes. O mesmo aconteceu no Brasil a partir do segundo mandato de Lula e, principalmente, desde o início do governo de Dilma Rousseff, quando o país retroagiu em liberdade econômica devido a escolhas dos líderes políticos.

Nada do sucesso econômico do Chile devido às políticas implementadas pelos Chicago Boys justifica o regime ditatorial e de restrição de liberdades imposto por Pinochet e pelos militares, muito menos dá motivo para relativizar os males do regime. Entretanto, Friedman e os economistas chilenos conseguiram auxiliar a criação de uma sociedade mais livre a partir de uma oportunidade que surgiu e nisso a eles cabe o mérito. Eles lutaram por um mundo melhor a partir da perspectiva que lhes foi dada e conseguiram plantar uma semente que estava se desenvolvendo nos últimos anos.


Qual a conclusão dessa história?

O Chile é um exemplo de como a liberdade econômica ajuda a construir uma sociedade mais livre. Ela não só melhora a qualidade de vida geral da população — e principalmente daqueles mais pobres e oprimidos –, mas fundamenta uma mudança política significativa. A história de Taiwan também segue a mesma linha: liberdade econômica e globalização trazem liberdade social. Por si só, a liberdade econômica não resolverá todos problemas, como vemos na China, mas mesmo assim já é um passo importantíssimo para melhorar a situação de um país.

Que mais nações sigam o exemplo econômico do Chile, de Hong Kong, de Cingapura, da Suíça e de outros países que valorizam propriedade privada, permitem empreendedorismo e sabem que riscos privados levam a lucro ou prejuízos também privados. Quem mais sai ganhando nessa história é o trabalhador que terá mais opções de produtos nos supermercados, que terá uma aposentadoria melhor por ter acumulado capital e que poderá almejar realizar seus sonhos numa sociedade que tenta construir um futuro mais livre. [2]

[1] A Universidade de Chicago e a Universidad Católica de Chile apresentavam um programa de intercâmbio de seus departamentos de economia que datava de 1955, com um grande fluxo de alunos viajando para continuar seus estudos na primeira década (55-64). Além disso, alguns professores americanos visitaram a universidade chilena para auxiliar a reestruturação do departamento de economia desta escola, sendo o mais famoso o professor Arnold Harberger.

[2] Vale a pena assistir a série Free to Choose de Milton Friedman e também o documentário de Johan Norberg comemorando os 30 anos dessa série, em que ele visita os locais para os quais Friedman viajou durante os anos 80.

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