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domingo, 1 de dezembro de 2019

Curso Militancia Ultra Conservadora

Curso Militancia Ultra Conservadora

A refutação cabal do socialismo com a escola austríaca

Introdução
O fracasso do socialismo como princípio de ordenamento social é hoje evidente para qualquer pessoa sensata e informada — o que exclui, é claro, os socialistas.  Estes, porém, insistem que o malogro coletivista foi um mero acidente histórico, que a teoria é fundamentalmente correta e que pode funcionar no futuro, se presentes as condições apropriadas.  
Tentarei demonstrar nesse texto, recorrendo na medida das minhas limitações aos ensinamentos da escola austríaca de economia, que absolutamente não é esse o caso, que a teoria econômica (para não falar dos fundamentos filosóficos, éticos, sociológicos e políticos!) do socialismo é insustentável em seus próprios termos, e que ipso facto os resultados calamitosos constatados pela experiência histórica são, e sempre serão, uma consequência inevitável de uma ordem (rectius: desordem!) socialista. 
Não é preciso enfatizar a importância de se ter plena consciência da natureza perniciosa dessa corrente política e de suas funestas implicações, uma vez que em nosso país um poderoso movimento totalitário está muito próximo de tomar o poder.
O erro dos clássicos

O núcleo do pensamento econômico socialista está na concepção do valor como decorrente do volume de trabalho necessário para a produção das mercadorias, e isso não só em Marx como também em outros teóricos como Rodbertus, Proudhon etc.  Essa teoria do valor constitui a premissa elementar da qual a mais-valia e a exploração são deduzidas.
Marx, como se sabe, não inventou a teoria do valor-trabalho. Ela foi exposta bem antes por Adam Smith e David Ricardo e, dada a autoridade desses mestres, ganhou foros de ortodoxia. É difícil entender como esses dois pensadores notáveis, cujas descobertas foram realmente magníficas, puderam fracassar tão cabalmente justamente na questão crucial do valor. Talvez por causa dos avanços das ciências naturais, que estavam revelando propriedades antes insuspeitadas nas coisas, eles imaginaram que era mais "científico" considerar o valor também como um atributo da coisa.
Vários pensadores antes de Smith já tinham tido o insight correto: o valor das coisas depende da avaliação subjetiva de sua utilidade. O valor está na mente dos homens. Hoje se sabe que os filósofos escolásticos e os primeiros economistas franceses, Cantillon e Turgot, haviam concebido uma teoria econômica superior em muitos pontos a dos clássicos britânicos, sobretudo quanto ao valor. Smith e Ricardo, porém, puseram a economia na pista errada com uma teoria do valor falaciosa e, nesse aspecto, causaram um grave retrocesso no pensamento econômico.
Mas não por muito tempo. Enquanto Marx e outros pensadores socialistas faziam da teoria objetiva do valor a pedra fundamental de sua doutrina, diversos estudiosos já haviam constatado o desacerto dessa teoria e, independentemente, buscavam alternativas. Em todo caso, não seria exagero afirmar que Marx foi um economista clássico ortodoxo e que seus mestres, Ricardo em especial, podem ser considerados os fundadores honorários involuntários do socialismo "científico".  Por ironia, o "revolucionário" Marx foi um conservador extremado em teoria econômica, enquanto que os economistas "burgueses" austríacos empreenderam uma verdadeira revolução nesse campo científico.
Curso Militancia Ultra Conservadora
A redescoberta da subjetividade do valor
Vários economistas, entre eles o austríaco Carl Menger, chegaram basicamente à mesma conclusão que seus esquecidos antecessores pré-clássicos: o valor é subjetivo.  A teoria subjetiva do valor — ou teoria da utilidade marginal — resolve o problema satisfatoriamente, sem deixar lacunas.  O valor nada tem a ver com a quantidade de trabalho empregada na produção da coisa, mas depende de sua utilidade para a satisfação de um propósito de uma determinada pessoa.  A utilidade decresce à medida que mais unidades de um dado bem são adquiridas, posto que a primeira unidade é empregada na função mais urgente segundo a escala de valores de cada um, a segunda unidade exerce a função imediatamente menos urgente etc.
Para um sujeito que já tem uma televisão, por exemplo, ter outra já não tem a mesma urgência — dito de outra forma, as TVs são idênticas, exigiram a mesma quantidade de trabalho na sua produção, mas não têm o mesmo valor.  Cada indivíduo tem uma escala de valores diferente, e o que é valioso para um pode não valer nada para outro. Até para o mesmo indivíduo a utilidade — e daí o valor — de um determinado bem varia no tempo.

Isto posto, é fácil verificar que os preços refletem a interação entre ofertantes e demandantes, cada um com sua respectiva escala de valores. Compradores e vendedores potenciais expressam suas preferências no mercado, condicionadas por suas valorações pessoais e intransferíveis, e dessa interação surge uma razão de troca, um preço, que vai variando para igualar oferta e procura ao longo do tempo, de modo que em um determinado instante todos os que valoram o que querem adquirir (no caso a TV) mais do que o que se propõem a dar em troca (no caso um preço monetário x) conseguem comprar o produto.
O fabricante de TVs, segundo Marx, primeiro fabrica o produto e da quantidade de trabalho por unidade sai o valor e, consequentemente o preço. Isso é precisamente o inverso do processo real.  Na verdade, o fabricante inicialmente faz uma estimativa de um certo preço que ele espera que atraia compradores e esgote o estoque — compradores que valorem mais a TV do que o dinheiro correspondente ao preço.  Em seguida, ele calcula o custo de produção aos preços correntes e, se for suficientemente inferior à receita final prevista, aí sim ele contrata e combina os fatores de produção para obter o produto.  Não é pois o trabalho ou de modo geral o custo de produção que determina o valor e o preço.  É justamente o contrário: o preço projetado determina o custo de produção.
O emaranhado de falácias marxistas

Visando definir o valor com mais rigor do que Ricardo e levar a teoria às suas últimas consequências lógicas, Marx acaba demonstrando involuntariamente a invalidade das proposições pertinentes.  Como seus antecessores, Marx distingue entre valor de uso e valor de troca.  Para ele, as trocas só ocorrem quando coincide a quantidade de trabalho empregada no que se dá e no que se recebe.  Só há troca, pois, nos termos marxistas, quando há coincidência de valor, que por sua vez é função do volume de trabalho despendido.  Ocorre que essa linha de raciocínio logo esbarra em um obstáculo insuperável: o trabalho é heterogêneo. Na ausência de homegeneidade, não há como tomar o trabalho como unidade de conta e medida de valor. Marx tenta superar o problema com os conceitos de trabalho "simples" e trabalho "complexo", fixando uma proporção entre eles, mas falha totalmente. Como os preços flutuam, Marx decreta que essas variações são ilusórias; o real é um certo "preço médio" que equivale ao valor, que equivale ao volume de trabalho despendido na produção do bem.

Ao procurar fugir da rede de falácias que vai tecendo, Marx incorre em uma óbvia petição de princípio que até hoje engana os ingênuos: a medida do valor seria a quantidade de trabalho "socialmente necessário" para a produção de determinada mercadoria.  Ora, só podemos saber o que é "socialmente necessário" investigando o que leva os indivíduos que compõem uma sociedade a valorar uma coisa o suficiente para que sua fabricação seja "socialmente necessária".  Por que são produzidos mais CDs de axé do que de música clássica?  Por que o pagode é mais "socialmente necessário" do que a música erudita?  Porque há muito mais gente que gosta de pagode do que os que preferem música erudita.  
Fica claro que o que foi dado como provado, que o valor depende da quantidade de trabalho "socialmente necessário", é precisamente o que se necessita provar.  O que é "socialmente necessário"?  É aquilo que os indivíduos desejam.  Sendo assim, é evidente que temos que procurar o valor das coisas nas preferências individuais, não no custo de produção.  Ademais, o trabalho não é o único fator de produção. Marx evidentemente sabe que o trabalho sem o fator terra — os recursos naturais — é inútil e vice-versa.  Ele assevera que só o trabalho humano cria valor, pois a natureza é passiva.
Mas se o trabalho isolado é incapaz de criar valor, o que nos impede de afirmar que o valor depende da quantidade de recursos naturais "socialmente necessários" à produção disso ou daquilo?  E, como toda produção demanda tempo, por que não pode ser o valor definido como a quantidade de tempo "socialmente necessário" para a fabricação de uma mercadoria? Nessa ordem de idéias, mais lógico seria conceber o valor como função da quantidade de trabalho, terra, tempo e capital "socialmente necessários" para a produção de um bem. No fim das contas, é isso mesmo que Marx faz no vol. III de O Capital, relacionando o valor ao custo de produção, contradizendo sua própria concepção do valor-trabalho exposta no vol. I.

                        
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Para a teoria subjetiva, todavia, não há mistério e não há exceções: o "valor de troca" não é função do trabalho ou do custo de produção, e jamais pressupõe igualdade de valor.  Se eu dou tanto valor ao que me proponho a trocar quanto ao que me é oferecido, simplesmente não troco. Só há troca quando os valores são diferentes, quando cada parte quer mais o que recebe do que o que dá.  O contrato de trabalho não foge à regra. Cada contratante valora mais o que recebe do que o que dá, logo não há exploração.  De fato, provando-se a falsidade da teoria do valor-trabalho, invalida-se inexoravelmente a exploração e a mais valia, e todo o edifício teórico deduzido dessa teoria desaba como um prédio de Sergio Naya.

Ademais, baseando-se na "lei de ferro dos salários", segundo a qual sempre que a remuneração do trabalho subisse acima do nível de subsistência os "proletários" aumentariam a sua prole, trazendo os salários de volta para o nível de subsistência original, Marx assegurou que o capitalismo engendrava a miserabilização crescente do proletariado. Trata-se de uma tese contraditória em seus próprios termos, vez que se a tendência fosse a de que a remuneração do trabalho permanecesse estagnada num patamar de miséria não haveria uma miserabilização "crescente", e sim uma "miserabilidade constante".
Na verdade, o padrão de vida dos trabalhadores não cessou de aumentar nos países capitalistas avançados, o que é o resultado natural da liberdade individual de maximizar a utilidade — o valor — nas trocas livres, voluntárias e mutuamente benéficas travadas no que se chama economia de mercado.  A consequente acumulação de capital investido per capita em grau maior do que o aumento demográfico da força de trabalho torna o trabalho cada vez mais escasso em relação ao capital — e os salários reais cada vez mais altos.  
Marx, como é comum entre os intelectuais, odiava a divisão do trabalho.  Mas foi o aprofundamento da divisão do trabalho que permitiu o aumento da produtividade do trabalho e o consequente aumento do poder aquisitivo real dos salários.  O "alienado" operário que aperta parafusos na linha de montagem é recompensado pelo fato de que a produtividade do seu trabalho é tal que lhe permite adquirir produtos antes sequer existentes e ter um padrão de vida muito superior ao artesão autônomo do passado que controlava todo o processo de produção.
Marx acreditava que a livre concorrência levaria a uma superconcentração do capital. Na verdade, a concorrência força sem parar a redução de custos e preços, resultando em uma melhor utilização de recursos escassos e os liberando para emprego em novas linhas de produção.  Marx não distinguiu o capitalista do empreendedor.  Na realidade, capitalista é todo aquele que consome menos do que produz — que poupa.  Hoje, nos países civilizados, os trabalhadores são capitalistas e suas poupanças reunidas em grandes fundos de pensão e investimentos capitalizam empresas no mundo todo. O empreendedor é todo aquele que vislumbra um desequilíbrio entre a valoração corrente de custos e preços futuros de um produto qualquer, e enxerga nele uma oportunidade de oferecer aos consumidores coisas que eles valoram mais do que o seu custo de produção.  A figura do empreendedor é insubstituível — o estado não pode exercer esse papel.  Isso os comunistas (e não apenas os comunistas!) puderam verificar na prática, para sua tristeza.

No sistema de Marx, como vimos, as trocas pressupõem igualdade de valor entre os bens negociados. Acontece que, como demonstrado acima, as trocas pressupõem precisamente o contrário: desigualdade de valor.  Ou não há troca alguma.  
Assim, se a realidade se comportasse como na teoria de Marx, não haveria trocas. Na realidade, ninguém trabalharia sequer para si mesmo, posto que tal atividade envolve uma substituição de um estado atual considerado pelo agente como insatisfatório por um estado futuro reputado como mais satisfatório. 
Quer dizer, até o trabalho autônomo envolve uma troca e valores desiguais. O mundo de Marx seria povoado por seres autárquicos, autísticos e estáticos.  Um mundo morto.  Não admira que os regimes socialistas sofram invariavelmente de uma tendência para a completa estagnação e paralisia da atividade econômica.  
A lei da preferência temporal

Outra descoberta fundamental, feita por um discípulo de Carl Menger chamado Eugen von Bohm-Bawerk, relaciona-se com a influência do tempo no processo produtivo.  Ele percebeu uma categoria universal da ação humana: as pessoas dão mais valor a um bem no presente do que o mesmo bem no futuro, posto que o tempo é escasso, e logo é um bem econômico.  Os indivíduos ao agirem elegem determinados fins e quanto mais cedo puderem alcançá-los, melhor.
Partindo desse axioma, ele obteve a explicação definitiva do fenômeno do juro, e mais, que o juro nas operações de crédito financeiras é um caso especial de um fenômeno geral.  A produção demanda tempo; do início da produção até a venda do produto há uma demora, sem falar no risco de o produto não ser vendido. Ocorre que ninguém quer esperar até que a venda ocorra para receber sua parte no total — isso se a venda realmente acontecer, e o preço for recompensador.  
Os proprietários dos fatores de produção — os trabalhadores, os proprietários do espaço alugado, os fornecedores de insumos, os donos dos bens de capital — querem receber logo sua parte sem partilhar dos riscos.  Dito de outra forma, eles preferem bens presentes a bens futuros. Mas os bens presentes sofrem um desconto.  Daí receberem menos agora do que receberiam no futuro.  Ficam livres do risco, que é assumido pelo empreendedor e pelos poupadores que lhe outorgaram seus recursos.

A parcela que um determinado trabalhador agrega ao produto final — o valor do produto marginal, como dizem os economistas — pode ou não ser remunerado integralmente. Há frequentemente casos em que o trabalhador recebe mais do que produziu, quando o preço não cobre os custos, o que não tem explicação pela teoria marxista. 
O capitalista paga a mais-valia ao proletário!  O que é certo é que na economia de mercado há forças operando incessantemente para igualar o salário ao valor do produto marginal. Tanto o lucro quanto o prejuízo são sinais de desequilíbrio. Os prejuízos significam que os compradores não valoram um determinado bem mais do que o dispêndio mínimo corrente para produzi-lo.  Os trabalhadores estão recebendo mais do que o seu trabalho produz.  O empresário tem que reduzir custos para reduzir o preço do seu produto, ou quebra.  
O lucro significa que os consumidores valoram um dado bem a um dado preço mais do que o custo de produzi-lo. Os trabalhadores estão recebendo menos do que o valor do produto marginal.  Isso quer dizer que os compradores querem mais desse produto.  O retorno alto atrai a concorrência, o que aumenta a demanda por fatores de produção — trabalho incluso — e faz cair o preço pelo aumento da oferta do produto.  A taxa de lucro baixa e os salários tendem a igualar o valor do produto marginal, descontada a taxa social de preferência temporal — o juro.

Marx nunca compreendeu — ou não quis compreender — que o empreendedor é um preposto dos consumidores e que são estes quem determinam indiretamente o nível de remuneração dos fatores de produção — salários inclusos.  A tarefa dos empreendedores é satisfazer os caprichos dos consumidores.  Nessa função ele deve assumir riscos pois o futuro é sempre incerto.  Nota-se, pois, o absurdo da condenação da produção "para o lucro" pelos marxistas vulgares e sua veneração pela produção "para o uso".  Sucede que toda produção sempre tem por fim o consumo, i.e., o uso. A produção não é um fim em si mesmo, e sim um meio para se alcançar um fim: o consumo. O lucro e as perdas monetários são sinais fundamentais que orientam os empresários a organizar eficientemente a produção de modo a satisfazer os usos mais urgentemente desejados pelos usuários (pressupondo-se a ausência de privilégios concedidos pelo governo aos produtores em detrimento dos consumidores, tais como tarifas, monopólios, subsídios, licenças etc).
A lei da preferência temporal exerce um papel determinante no processo produtivo.  Se todos os proprietários de fatores (os empregados donos de sua força de trabalho, os fornecedores de insumos, o proprietário do espaço onde a fábrica ou loja se situa, os capitalistas) decidissem partilhar do risco e aguardar até a efetiva venda do produto final total para então dividirem pro rata a receita total, todos eles seriam empreendedores. Como, porém, o ser humano prefere o mesmo bem agora ao futuro (que é sempre incerto), surge a necessidade social de que um indivíduo, ou grupo de indivíduos reunidos (empresa), exerça essa função empreendedorial, que é absolutamente indispensável para o progresso da sociedade.
O empreendedor, assim, paga agora aos proprietários de fatores com bens presentes em troca de receber os mesmos bens (dinheiro) no futuro, correndo o risco de não receber. Esse desconto dos bens presentes em termos de bens futuros, como já assinalado, é o que se chama de juro. 
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A impossibilidade do cálculo econômico no socialismo

Tendo demonstrado satisfatoriamente que a crítica marxista ao capitalismo é inteiramente equivocada, resta empreender por nosso turno a crítica ao sistema socialista, conforme idealizado por Marx, seus sucessores e outras correntes socialistas. Esse sistema exige a propriedade pública dos meios de produção — terra, trabalho e capital — e o consequente planejamento central de todas as atividades econômicas.
A primeira objeção que vem à mente é a questão dos incentivos: quem planeja e quem obedece às ordens do planejador ou planejadores?  Quem determina o padrão de remuneração dos serviços e que padrão é esse?  Numa sociedade que se presume igualitária, a remuneração deve ser igual para todos os tipos de trabalho?  Nesse caso, o neurocirurgião terá o mesmo incentivo para exercer suas funções que o lixeiro?  Segundo os marxistas, cada um contribui para a coletividade segundo as suas possibilidades e recebe de um fundo comum segundo suas necessidades. Já é possível até aqui imaginar a complexidade do problema.

Pois um discípulo de Bohm-Bawerk, Ludwig von Mises, foi mais além, atingindo a raiz do problema do socialismo, que é ainda mais profunda do que a complicação dos incentivos permite vislumbrar. Mises descobriu que a atividade econômica em uma economia complexa depende de um cálculo prévio que leve em conta os preços monetários dos fatores de produção. Impossível esse cálculo, impossível a atividade econômica.
Ocorre que, em uma sociedade socialista pura, todos os fatores de produção pertencem a um único dono: o estado. Sem propriedade privada, os fatores de produção não são trocados e, logo, não têm preço.  A escassez relativa dos fatores de produção e seus usos alternativos fica oculta e o planejador central inexoravelmente é levado a agir às cegas. Mises admitiu, para argumentar, que a questão dos incentivos não apresentasse nenhum obstáculo, que todos se empenhassem diligentemente em suas tarefas.  Ou seja, postula-se que a natureza humana seja aquela que os teóricos socialistas quiserem que ela seja, não o que ela de fato é.  Mesmo assim, na ausência de preços para os fatores de produção, o cálculo econômico é impossível e a atividade econômica se torna caótica, vez que não se pode discernir entre os vários tipos de combinação de fatores aquele que é o mais econômico.
Dado um determinado estado de conhecimento tecnológico, sempre existem inúmeras maneiras de se empreender um projeto econômico qualquer, digamos uma siderúrgica, mas somente se a escassez relativa dos fatores de produção for expressa em preços monetários será possível escolher dentre as soluções técnicas possíveis aquela que é mais econômica, ou seja, a que representa os menores custos em relação ao preço futuro do produto final, e só assim será possível avaliar ex ante se o projeto sequer é economicamente viável no momento.
Como nada disso é a priori possível em uma sociedade socialista, todos os empreendimentos tocados pelo estado não passam de um gigantesco desperdício de recursos que mais cedo ou mais tarde leva ao colapso econômico. A experiência comunista comprovou tudo isso, muito embora não tenha nunca existido uma sociedade socialista realmente pura.  A URSS podia usar o sistema de preços do mundo capitalista como referência e copiar seus métodos de produção, e um florescente e gigantesco mercado negro supria até certo ponto as monumentais falhas do planejamento estatal. Mesmo assim, a economia soviética sempre foi um caos.  Funcionou por algum tempo graças ao uso sistemático do terror como "incentivo".  Mas o terror não pode durar para sempre.  Quando arrefeceu, foi-se o incentivo e a economia comunista anquilosou rapidamente e morreu. 
A natureza dispersa do conhecimento
A crítica de Mises publicada em 1920 causou consternação na intelligentsia socialista. Ao menos o desafio foi levado a sério e muitas respostas foram aventadas.  Nos anos 1930, alguns economistas socialistas (Oskar Lange, Abba Lerner) formularam a teoria do "socialismo de mercado", baseada nas idéias do economista do século XIX Léon Walras, que concebeu um método de equações matemáticas capazes de permitir a compreensão do estado geral de equilíbrio de uma economia.  Tudo o que se fazia necessário, pois, era outorgar certa autonomia aos gerentes das unidades produtivas de modo que igualassem o preço do produto ao custo marginal para que o comunismo funcionasse tão bem como o capitalismo.
Muitos economistas liberais eminentes, como Joseph Schumpeter e Frank Knight, aceitaram a validade dessa solução e se convenceram de que não havia obstáculos econômicos ao socialismo.  Ainda outro economista austríaco, contudo, Friedrich Hayek, discípulo de Mises, desenvolveu certos aspectos implícitos na análise de seu mestre para refutar a "solução" socialista.  O esquema walrasiano padece de um defeito fatal: é estático.  O conhecimento técnico, os recursos e as informações são considerados dados no sistema.  Hayek argumentou que o conhecimento é disperso na sociedade e a sua utilização racional é levada a efeito por cada indivíduo traçando seus próprios planos segundo circunstâncias personalíssimas e intransferíveis.  O mercado coordena esses planos espontaneamente, sobretudo por intermédio do sistema de preços, de forma muito mais racional e útil do que um planejamento central poderia esperar fazer. O planejamento central implica a supressão dos planos individuais.  Os indivíduos tornam-se instrumentos do planejador central, mas esse não pode ter jamais a esperança de coordenar a produção racionalmente. O estado de equilíbrio é uma quimera que não tem lugar no mundo real, dinâmico por natureza, e o conhecimento, as oportunidades e a informação nunca estão "dados". Ao contrário, estão sendo incessantemente criados e ampliados através das iniciativa individuais e suas interações.
Mesmo assim, Mises e Hayek foram tidos como refutados e relegados ao ostracismo pela comunidade dos economistas.  Mises morreu esquecido em 1973, mas Hayek viveu o suficiente para rir por último quando o comunismo soçobrou e todas as análises de ambos se revelaram certas.  Ele morreu em 1992, após testemunhar a queda do Muro de Berlim e o colapso soviético.
Conclusão
Provar que na economia de mercado não existe mais-valia nem exploração, todavia, não é o mesmo que dizer que a exploração não existe.  Existe.  Ela ocorre quando somos forçados a dar alguma coisa em troca de nada, como no caso dos tributos recolhidos pelo estado.  O estado é a máquina perfeita de exploração.  E o marxismo, por conferir um poder absoluto ao estado, é o veículo insuperável da exploração sistematizada.
A doutrina socialista por ser intrinsecamente falsa leva inevitavelmente a uma perversão e inversão do sentido das palavras, como notou Orwell — por ironia ele mesmo um socialista convicto.  Liberdade é escravidão e escravidão é liberdade; democracia é ditadura e ditadura é democracia; cooperação voluntária é coerção e coerção é cooperação voluntária.  O estado socialista é dono de tudo, o que traduz a triste realidade de que os que comandam o governo são os senhores implacáveis, os proprietários absolutos dos comandados.  Socialismo é mais do que uma restauração da escravidão; é seu aperfeiçoamento e culminância.
Vale lembrar ainda que a análise acima vale para qualquer espécie de socialismo, seja o comunismo (socialismo de classe), nazismo (socialismo de raça) ou fascismo (socialismo de nação).
Tudo o que foi exposto aqui é conhecido há décadas.  Contudo, pouca gente sabe pois a intelligentsia de esquerda bloqueia a sua divulgação.  É uma vergonha, pois uma das tarefas principais dos intelectuais — os que se dedicam ao estudo das idéias — deveria ser justamente a de esclarecer a sociedade a respeito das idéias certas a serem adotadas para o bem comum, e advertir do perigo de se aceitar teorias erradas.  Mas não é isso que acontece, infelizmente.
Parece que os intelectuais sofrem de uma propensão irreprimível para o socialismo, certamente porque nele vislumbram a chance de empalmar o poder absoluto em causa própria.  Em termos marxistas, o próprio marxismo não passa de ideologia, a falsa consciência, que uma classe — a intelligentsia — difunde em função de seus próprios interesses. Essas falsas idéias se propagam e iludem — alienam — as futuras vítimas da classe "revolucionária".  É um dever inadiável de todo cidadão consciente denunciar esse esquema podre, desmascarar a falácia socialista e esclarecer a opinião pública na medida de suas possibilidades.
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terça-feira, 3 de abril de 2018

Ou você defende a LIBERDADE ou o ESTADO

Ou você defende a  LIBERDADE ou o ESTADO

Defender a liberdade: porque ela funciona ou porque é moralmente correto?

Libertários podem ser divididos em duas classes bastante amplas: aqueles que defendem uma sociedade livre porque sabem que ela gera resultados melhores do que uma sociedade tirana, e aqueles que defendem uma sociedade livre porque acreditam que é errado negar ou suprimir o direito de um indivíduo de ser livre (a menos, é claro, que tal indivíduo esteja suprimindo o mesmo direito de outros de serem livres).
"Consequencialistas versus deontologistas" é a rotulagem mais comum dada a essa diferença.  É de se lamentar que tanta energia tenha sido desperdiçada em brigas entre esses dois grupos.

Quando me tornei um libertário, comecei abraçando posturas consequencialistas ou utilitaristas, talvez por causa de minha formação como economista.  Estava convencido de que uma sociedade livre seria mais rica, mais saudável e mais feliz — certamente no longo prazo, se não imediatamente — do que uma sociedade controlada.  Com base na teoria econômica e na história da economia, pude compreender os apavorantes fracassos das economias centralmente planejadas da URSS, da China, do Camboja e de outros países.  Essa compreensão me impressionou e me pareceu ser um fundamento perfeitamente adequado para que qualquer um se tornasse adepto do libertarianismo.

Por não possuir uma sólida formação em filosofia, não passei muito tempo pensando a respeito do argumento moral em defesa do libertarianismo — ao menos não nos primeiros estágios da minha jornada.  No entanto, ninguém realmente teve de me persuadir de que as pessoas, por sua própria natureza humana, merecem ser livres; de que cada pessoa possui o direito natural de controlar sua própria vida, desde que o exercício desse direito não entre em conflito com o exercício deste mesmo direito pelas outras pessoas. 

Logo, na primeira vez em que fui perguntado — mais de vinte anos atrás, quando fui membro participante de uma conferência libertária — se eu era um consequencialista ou um deontologista em meu libertarianismo, respondi que era ambos: acreditava que as pessoas deveriam respeitar o direito de outras pessoas de não serem agredidas (de não sofrerem iniciação de violência ou ameaça de violência) e que, se todos se comportassem dessa forma, as pessoas alcançariam os melhores resultados sociais e econômicos possíveis para toda a sociedade.

No decorrer do tempo, flagrei-me fazendo com cada vez mais frequência argumentos morais em prol do libertarianismo.  De certa forma, estava apenas expressando minha ira contra algum tipo de maldade coerciva que havia acabado de vivenciar.  Ainda assim, jamais abandonei minha crença de que uma sociedade livre funciona melhor do que uma sociedade dirigida em termos sociais e econômicos.  Também havia sido persuadido pelo grande utilitarista Leland Yeager de que, no sentido mais profundo possível, todos nós temos de ser consequencialistas.  

Nenhum indivíduo de boa vontade pode aderir inflexivelmente à regra "fiat justitia ruat caelum" (faça-se a justiça, mesmo que desabem os céus).  Se o mais empenhado e inflexível libertário deontologista soubesse com toda a certeza que sua adesão a todos os elementos cruciais do libertarianismo fosse gerar, digamos, a total destruição da raça humana, então até mesmo ele, este obstinado e implacável libertário, teria de ceder e recuar, e basear sua decisão nas consequências geradas por uma aderência sem exceções a uma regra moral obrigatória.

Felizmente, esse é um dilema que não enfrentamos na realidade.  Com efeito, quase sempre, se não praticamente sempre, podemos seguir a regra da liberdade perfeita e ainda termos a certeza de que tal postura não apenas não gerará resultados destrutivos, como na realidade irá contribuir para a concretização dos mais positivos e beneficentes resultados possíveis.

Em todo caso, após as mais recentes décadas de minha jornada libertária, vejo-me hoje às voltas com um aspecto distinto deste longevo debate, aspecto este que tem a ver com nossa estratégia de como trazer pessoas para o libertarianismo.  

A Estratégia 1 é persuadir estas pessoas de que a liberdade funciona, de que uma sociedade livre será mais rica e melhor do que uma sociedade dirigida; que um livre mercado fará, por assim dizer, com que os trens cheguem e partam no horário, e sejam mais bem geridos do que por uma burocracia estatal.  

Estratégia 2 é persuadir as pessoas de que ninguém, nem mesmo um funcionário do governo, possui o direito de tolher a liberdade de empreendimento de pessoas inocentes; que nenhum de nós nasceu com uma sela em suas costas para carregar alguém montado nela.

Em nosso mundo, tantas pessoas foram enganadas ou confundidas por alegações errôneas sobre moralidade e justiça, que a maioria dos libertários, especialmente de institutos liberais e de outras organizações que carregam o fardo de educar as pessoas sobre libertarianismo, concentram seus esforços em alcançar a Estratégia 1 da maneira mais efetiva possível.  

A consequência é que eles produzem e publicam uma abundância de estudos políticos, cada um deles mostrando como o governo afetou o mercado por meio de suas leis e regulamentações ostensivamente bem intencionadas.  É claro que os 98% ou mais da sociedade (principalmente no aspecto político) que de uma forma ou de outra se opõem à liberdade perfeita respondem com argumentos e publicações que seguem sua própria ideologia, cada um deles mostrando por que uma suposta "falha de mercado", uma "injustiça social" ou algum outro problema justificam a interferência do governo sobre a liberdade de ação das pessoas, sempre prometendo corrigir os malefícios percebidos. 

Qualquer um que já tenha prestado atenção aos debates políticos está familiarizado com esta interminável guerra entre intelectuais e apologistas do regime.  Dado que eu mesmo já dediquei muito tempo e esforço a tal atividade, não a estou condenando.  À medida que um indivíduo se dedica a expor impiedosamente as falhas dos argumentos anti-liberdade e os fracassos dos esforços governamentais em tentar "solucionar" uma gama de problemas, é de se esperar que pelo menos alguém será persuadido e se tornará mais propenso a dar uma chance à liberdade.

Não obstante, exatamente pelo fato de essa batalha entre intelectuais e apologistas — que envolve professores universitários, colunistas de jornal, todos os tipos de palpiteiros da mídia, políticos populistas, e pistoleiros "assassinos de reputação" a serviço do regime — ser interminável, jamais se pode descansar na certeza de que, tão logo um indivíduo tenha sido persuadido de que a liberdade é melhor do que o dirigismo, ao menos no que tange à situação X, esse indivíduo já aderiu por completo e de maneira permanente ao libertarianismo. 

Se um indivíduo chegou ao libertarianismo somente por causa de algum argumento ou evidência apresentado ontem por um intelectual pró-liberdade, ele pode, tão facilmente quanto veio, ir embora amanhã e voltar a defender a intervenção estatal com base em evidências e argumentos feitos por um intelectual anti-liberdade.  
Como certa vez disse John Maynard Keynes em uma resposta sagaz a alguém que lhe havia perguntado sobre seus instáveis e flutuantes pontos de vista, "Quando os fatos mudam, eu mudo minhas ideias.  E o senhor, como age?". 

Se os libertários decidirem defender a liberdade em termos unicamente consequencialistas, eles estarão nesta guerra para sempre.  Embora seja possível aceitar esse panorama tendo por base o fato de que "o preço da liberdade é a eterna vigilância", esse tipo de batalha é profundamente desestimulante, uma vez que as forças contrárias à liberdade, as quais os libertários têm de enfrentar, possuem centenas de vezes mais tropas e milhares de vezes mais dinheiro para adquirir suas munições.  Há vários e poderosos interesses corporativos e sindicais por trás de ideias intervencionistas e dirigistas, interesses estes que jamais abrirão mão de seus privilégios facilmente.

Por outro lado, tão logo o libertário tenha persuadido alguém de que a interferência governamental é moralmente errada — se não uniformemente, pelo menos em um determinado âmbito —, há uma probabilidade muito menor de esse convertido algum dia voltar a defender medidas estatais coercivas contra pessoas inocentes.  

O libertarianismo solidificado em pilares morais é muito mais forte e duradouro do que o libertarianismo construído sobre a areia movediça dos argumentos consequencialistas, os quais, por definição, são convincentes apenas enquanto os argumentos e as evidências visíveis do momento atual assim o fazem.  

Consequentemente, se realmente desejamos alargar as fileiras libertárias, seria muito aconselhável fazer com que argumentos morais se tornem pelo menos uma parte de nossos esforços.  Não atrapalhará em nada, é claro, mostrar às pessoas por meio de argumentos utilitaristas que a liberdade realmente funciona melhor do que o controle estatal; mas confinar nossos esforços a argumentos puramente intelectuais e utilitaristas irá condená-los a ter, na melhor das hipóteses, um sucesso apenas temporário.

Se nossa intenção é realmente algum dia alcançarmos uma sociedade livre, temos de persuadir uma grande quantidade de nossos conterrâneos de que é simplesmente errado que qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos, por meio da violência ou da ameaça de violência, imponha suas demandas sobre todos os outros cidadãos que não cometeram crime nenhum e que não violaram os direitos de ninguém.  Temos também de persuadi-los de que tal postura é tão errada se feita por pessoas que compõem o estado quanto o é para você e para mim. 

No passado, as grandes vitórias de liberdade advieram exatamente de tal abordagem — a campanha anti-escravidão, a luta contra restrições ao livre comércio, e a batalha para se abolir restrições legais sobre o direito feminino de trabalhar, de ter propriedade e de serem tão livres quanto os homens.  No mínimo, os libertários jamais deveriam conceder qualquer superioridade moral àqueles que insistem em interferir coercivamente na liberdade alheia: o ônus da prova tem de estar sempre sobre aqueles que querem agredir pessoas inocentes, que querem confiscar sua renda e regular seus empreendimentos, e não sobre aqueles que querem simplesmente ser deixados em paz para viver suas vidas da forma que acharem melhor, sempre respeitando esse mesmo direito para os outros.


AUTOR: Robert Higgs
um scholar adjunto do Mises Institute, é o diretor de pesquisa do Independent Institute.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Adam Smith foi um desavergonhado plagiador

Adam Smith (1723-1790) é um mistério envolto em uma charada dentro de um enigma.  O mistério é a enorme e inaudita disparidade entre a exaltada reputação de Smith e a realidade de sua dúbia contribuição para o pensamento econômico.

A reputação de Smith praticamente eclipsa o sol.  Desde o seu tempo até muito recentemente, pensava-se que ele havia virtualmente recriado a ciência econômica.  Ele era universalmente aclamado com o Pai Fundador.  Livros sobre a história do pensamento econômico, após alguns poucos e bem merecidos escárnios direcionados aos mercantilistas e alguns acenos para os fisiocratas, invariavelmente começam dizendo que Smith é o criador da disciplina da economia.  Quaisquer erros que ele tenha cometido são compreensivelmente desculpados como sendo as inevitáveis falhas de todo grande pioneiro.

Inúmeras palavras já foram escritas sobre ele.  No bicentenário de sua obra magna, Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações (1776), houve uma verdadeira avalanche de livros, ensaios e penduricalhos sobre o sereno professor escocês.  Seu perfil esculpido em um medalhão feito por James Tassie é conhecido em todo o mundo.  Até mesmo um filme hagiográfico sobre Smith foi feito por uma fundação pró-livre mercado durante o bicentenário, e empreendedores e defensores do livre mercado há muito aclamam Adam Smith seu santo padroeiro.

'Gravatas de Adam Smith' foram utilizadas como insígnia de honra pelo alto escalão do governo Reagan.

Por outro lado, os marxistas, de certa forma com mais justiça, saúdam Smith como a inspiração suprema de seu próprio Pai Fundador, Karl Marx.  Com efeito, se pedíssemos ao cidadão comum para citar dois economistas históricos dos quais ele já ouviu falar, Smith e Marx provavelmente seriam os vencedores disparados da pesquisa.

Como já vimos, Smith dificilmente foi o fundador da ciência econômica, uma ciência que existiu desde os escolásticos medievais e, em sua forma moderna, desde Richard Cantillon.  Mas aquilo que os alemães costumavam classificar como o Das AdamSmithProblem[1] é algo muito mais severo do que isso.  Pois o problema não é apenas que Smith não foi o fundador da ciência econômica.

O problema é que ele não originou nada que fosse verdade, e tudo que ele originou estava errado.  Mesmo em uma época em que havia menos citações e notas de rodapé do que a nossa, Adam Smith foi um desavergonhado plagiador, pouco ou nunca reconhecendo suas fontes e roubando grandes nacos, por exemplo, da obra de Cantillon.  Muito pior foi a completa recusa de Smith em citar ou reconhecer seu querido mentor Francis Hutcheson, de quem ele extraiu a maioria de suas ideias bem como a organização de suas escritas sobre economia e filosofia moral.  Smith chegou até a escrever uma carta privada à Universidade de Glasgow falando sobre o 'nunca a ser esquecido Dr. Hutcheson', mas aparentemente a amnésia convenientemente o acometeu quando foi escrever A Riqueza das Nações para o público geral.[2]

Embora fosse um inveterado plagiário, Smith sofria de um complexo de Colombo, e acusava amigos próximos de estarem plagiando-o.  E mesmo sendo um plagiador, ele plagiava mal, acrescentando novas falácias às verdades que coletava.  Ao castigar Adam Smith por seus erros, portanto, não estamos sendo anacrônicos, punindo absurdamente pensadores do passado por não serem tão espertos quanto nós, que viemos depois.  Pois Smith não apenas não contribuiu com nada de valor para o pensamento econômico, como também sua economia foi uma grave deterioração da economia de seus predecessores: de Cantillon, de Turgot, de seu professor Hutcheson, dos escolásticos espanhóis, e até mesmo, bizarramente, de seus próprios trabalhos anteriores, como Escritas sobre Jurisprudência (não publicado, 1762-63, 1766) e a Teoria dos Sentimentos Morais (1759).

O mistério de Adam Smith, portanto, é a imensa disparidade entre uma reputação monstruosamente hiperinflacionada e a deplorável realidade.  Mas o problema é pior do que isso; não é apenas o fato de A Riqueza das Nações ter desfrutado de uma terrivelmente exagerada reputação desde seus dias até hoje.  O problema é que A Riqueza das Nações de alguma forma conseguiu cegar todos os homens, economistas e leigos igualmente, para o fato de que outros economistas, que eram melhores, haviam existido e escrito antes de 1776.

A Riqueza das Nações exerceu no mundo um impacto tão colossal que todo o conhecimento de economistas anteriores foi apagado - daí a reputação de Smith como o Pai Fundador da ciência econômica. 

O problema histórico é esse: como pôde ocorrer esse fenômeno com um livro tão derivativo, tão profundamente falho, tão menos notório que seus predecessores?

A resposta certamente não é por causa de alguma lucidez ou clareza de estilo ou de pensamento.  Pois o tão reverenciado A Riqueza das Nações é um livro enorme, prolixo, rudimentar e confuso, repleto de ambiguidades e profundas contradições internas.  É obviamente uma vantagem, na história do pensamento social, para um livro ser enorme, prolixo, rudimentar e confuso.  Há uma vantagem sociológica em ser ambíguo e obscuro.  O estupefato alemão Christian  J. Kraus, ardoroso smithiano, certa feita se referiu a A Riqueza das Nações como a 'Bíblia' da economia política.  De certa forma, o professor Kraus foi mais sábio do que imaginava.  Pois, de certa maneira, A Riqueza das Nações é como a Bíblia; é possível extrair variadas e contraditórias interpretações de várias - ou até mesmo das mesmas - partes do livro.

Ademais, a própria ambiguidade e obscuridade de uma obra podem fornecer um paraíso para intelectuais, estudantes e seguidores.  Progredir e ter êxito na compreensão de um tratado obscuro e difícil, organizar segmentos tenuemente percebidos em uma estrutura coerente - essas são as tarefas por si mesmas gratificantes para intelectuais.  E tais livros também fornecem um bem vindo processo de exclusão embutido em sua estrutura, de modo que somente um número relativamente pequeno de adeptos pode regozijar-se de sua especialidade acerca de uma obra ou de um sistema de pensamento. 
Dessa maneira eles aumentam sua renda e prestígio relativos, e deixam para trás outros admiradores que prontamente se encarregam de formar o grupo de aplauso para os principais discípulos do Mestre.

Adam Smith não fundou a ciência econômica, mas ele de fato criou o paradigma da escola clássica britânica, e é sempre útil para o criador de um paradigma ser rudimentar e confuso, deixando assim espaço para os discípulos que irão tentar clarificar e sistematizar as contribuições do Mestre.  Até os anos 1950, os economistas, ao menos aqueles da tradição anglo-americana, reverenciavam Smith como o fundador, e viam os posteriores desenvolvimentos da economia como um movimento linearmente ascendente em direção à luz, com Smith sendo sucedido por Ricardo e John Stuart Mill, e depois, após um pouco de divergência criada pelos austríacos nos anos 1870, com Alfred Marshall estabelecendo a economia neoclássica como sendo uma disciplina neo-ricardiana - logo, neo-smithiana.  De certo modo, John Maynard Keynes, aluno de Marshall em Cambridge, pensou estar apenas preenchendo o vácuo da herança ricardiana-marshalliana.

Dentro desse enfatuado miasma de adoração a Smith, a História da Análise Econômica (1954) de Joseph A. Schumpeter surgiu como um autêntico arrasa-quarteirão.  Oriundo das tradições continentais walrasianas e austríacas, ao invés do classicismo britânico, Schumpeter conseguiu, virtualmente pela primeira vez, lançar um olhar frio e realista sobre o celebrado escocês.  Escrevendo com um desdém finamente dissimulado, Schumpeter usualmente denegria a contribuição de Smith, e essencialmente mantinha que Smith havia desviado a economia para um caminho errado, um caminho infelizmente distinto daquele traçado por seus ancestrais continentais.[3]

Desde Schumpeter, os historiadores do pensamento econômico adotaram amplamente uma posição de recuo.  Smith, reconhecem eles, não criou nada, mas foi o grande sintetizador e sistematizador, o primeiro a pegar todos os segmentos dispersos de seus predecessores e costurá-los de modo a formar uma estrutura coerente e sistemática.  Mas o trabalho de Smith foi o oposto do coerente e do sistemático, e Ricardo e Say, seus dois maiores discípulos, cada um deles se incumbiu da tarefa de moldar um sistema coerente fora da bagunça smithiana.

Mais ainda: embora seja verdade que os escritos pré-Smith eram incisivos porém esparsos (Turgot), ou entranhados de filosofia moral (Hutcheson), é também verdade que já havia dois tratados gerais sobre economia anteriores a A Riqueza das Nações.  Um deles é Essai, a grande obra de Cantillon, a qual, após o advento de Smith, caiu em atroz esquecimento, sendo resgatada apenas um século depois por Jevons; e o outro, o primeiro livro a utilizar economia política em seu título, foi Principles of Political Economy (1767), uma obsoleta obra em dois volumes de Sir James Steuart (1712-80).  Steuart, um jacobita [partidários dos Stuarts, após a abdicação de Jaime II do trono da Inglaterra em 1688] que esteve envolvido na rebelião do príncipe Charles Edward Stuart para restaurar a dinastia Stuart, passou grande parte da sua vida como exilado na Alemanha, onde ele se tornou imbuído da metodologia e dos ideais do 'cameralismo' alemão.

O cameralismo foi uma forma virulenta de mercantilismo absolutista que prosperou na Alemanha nos séculos XVII e XVIII.  Os cameralistas, mais ainda que os mercantilistas europeus ocidentais, não eram de modo algum economistas - isto é, eles não analisavam os processos do mercado; eram apenas conselheiros técnicos dos soberanos, aconselhando como e de que maneira aumentar o poder estatal sobre a economia.  O livro de Steuart seguia essa tradição.  Quase nada falava sobre economia; encarregava-se apenas de fazer apelos para maciças intervenções governamentais e planejamentos centrais totalitários, desde detalhadas regulações do comércio, passando por um sistema de cartéis compulsórios até chegar a políticas monetárias inflacionistas.  Sua única 'contribuição' foi refinar e expandir noções fugazes e rudimentares sobre a teoria do valor-trabalho, e elaborar uma teoria proto-marxista sobre o inerente conflito de classes da sociedade.  Ademais, Steuart havia escrito um calhamaço ultramercantilista justamente na época em que o pensamento liberal clássico e laissez-faire estava em ascensão e se tornando dominante ao menos na Grã-Bretanha e na França.

Ainda que o livro de Steuart estivesse em descompasso com o emergente espírito liberal clássico da época, estava errado quem concluiu que a obra teria pouca ou nenhuma influência.  O livro foi bem recebido, altamente respeitado, e apresentou boas vendagens.  E cinco anos após sua publicação, em 1772, Steuart ganhou a batalha contra Adam Smith para o posto de consultor monetário da Companhia das Índias Orientais.

Uma razão por que a visão de Schumpeter surpreendeu a profissão econômica é que os historiadores do pensamento econômico, similarmente aos historiadores de outras disciplinas, habitualmente tratam o desenvolvimento da ciência como sendo uma marcha linear e ascendente rumo à verdade.  Cada cientista pacientemente formula, testa e descarta hipóteses, de modo que assim cada um que tenha êxito está sobre os ombros daquele que o precedeu.  Essa 'teoria progressista da história da ciência' foi hoje amplamente descartada em prol da mais realista teoria kuhniana dos paradigmas.  Para nossos propósitos, o ponto importante da teoria de Kuhn é que muito poucas pessoas testam pacientemente qualquer coisa, particularmente as hipóteses fundamentais, ou o 'paradigma' básico de suas teorias: e mudanças nos paradigmas podem ocorrer mesmo quando a nova teoria é pior que a antiga.

Em resumo, o conhecimento pode ser e é perdido da mesma forma que é ganho, e a ciência normalmente procede em zigue-zague ao invés de linearmente.  Podemos acrescentar que isso seria particularmente verdade para as ciências sociais ou humanas.  Como resultado, paradigmas e verdades básicas se perdem, e os economistas (bem como as pessoas de outras disciplinas) podem piorar, e não melhorar, ao longo do tempo.  Os anos podem tanto trazer progresso quanto retrocesso.

Schumpeter arremessou uma granada no templo dos historiadores progressistas do pensamento econômico, especificamente dos partidários da tradição de Smith-Ricardo-Marshall.[4]

Apresentamos assim nossa própria versão do Das AdamSmithProblem: como pôde uma obra tão gravemente falha como A Riqueza das Nações rapidamente se tornar tão dominante a ponto de apagar todas as outras alternativas?  Mas antes de considerarmos essa questão, temos de examinar os vários aspectos do pensamento smithiano em mais detalhes.

A vida de Smith

Adam Smith nasceu em 1723 na pequena cidade de Kirkcaldy, perto de Edimburgo.  Seu pai, também Adam Smith (1679-1723), que morreu pouco antes de ele nascer, foi um eminente promotor de justiça militar da Escócia e depois o superintendente fiscal da alfândega em Kirkcaldy, que havia se casado com uma moça pertencente a uma rica família proprietária de terras.  O jovem Smith foi, portanto, criado pela mãe.  A cidade de Kirkcaldy era militantemente presbiteriana.  Na escola em que estudou, a escola Burgh, ele encontrou vários jovens escoceses presbiterianos, sendo que um deles, John Drysdale, veio a ser por duas vezes o moderador da assembleia geral da Igreja da Escócia.

Smith, de fato, veio de uma família de funcionários da alfândega.  Além de seu pai, seu primo Hercules Scott Smith serviu como coletor da alfândega de Kirkcaldy; seu guardião, outro que também se chamava Adam Smith, veio a ser coletor alfandegário em Kirkcaldy bem como inspetor alfandegário em outros portos escoceses.  Finalmente, um outro primo também chamado Adam Smith mais tarde veio a trabalhar como coletor alfandegário em Alloa.

De 1737 a 1740, Adam Smith estudou na Universidade de Glasgow, onde ele ficou fascinado pelas ideias de Francis Hutcheson e absorveu os encantos do liberalismo clássico, do direito natural e da economia política.  Em 1740, Smith obteve seu mestrado com louvor na Universidade de Glasgow.  Sua mãe o havia batizado na fé episcopal, e ela ansiava por ver o filho se tornar um ministro episcopal.  Smith foi mandado ao Balliol College, em Oxford, em uma bolsa de estudos destinada a promover futuros clérigos episcopais.  Porém ele se sentia infeliz por causa do péssimo nível de instrução ofertada pela Oxford daqueles tempos, e retornou após seis anos, aos 23 anos de idade, sem ter se ordenado.  Não obstante seu batismo e a pressão de sua mãe, Smith permaneceu um ardente presbiteriano e, ao retornar a Edimburgo em 1746, ele ficou desempregado por dois anos.

Finalmente, em 1748, Henry Home, mais conhecido como Lord Kames, juiz e líder do iluminismo escocês, além de ser primo de David Hume, decidiu promover uma série de palestras públicas em Edimburgo para educar os advogados.  Junto com o amigo de infância de Smith, James Oswald de Dunnikier, Kames conseguiu fazer com que a Sociedade Filosófica de Edimburgo patrocinasse Smith durante vários anos de palestras sobre direito natural, literatura, liberdade de comércio e liberdade individual.  Em 1750, Adam Smith obteve a cadeira de teoria da lógica em sua alma mater, a Universidade de Glasgow, e não teve quaisquer dificuldades em fazer a Confissão de Fé de Westminster perante o Presbitério de Glasgow.  Finalmente, em 1752, Smith teve a satisfação de ascender à cadeira de filosofia moral que pertenceu ao seu querido professor Hutcheson, na qual ele ficaria por 12 anos.

As palestras de Smith em Edimburgo e Glasgow foram muito populares, e a principal ênfase foi no 'sistema de liberdade natural', no sistema de direito natural e no laissez-faire, o qual ele vinha até então promovendo com muito menos qualificação do que em sua mais cuidadosa A Riqueza das Nações.  Ele também conseguiu converter muitos dos principais mercadores de Glasgow a esse excitante novo credo.  Smith também se atirou com entusiasmo nas associações sociais e educacionais que estavam começando a ser formadas pelo moderado clérigo presbiteriano, pelos professores universitários, pelos literatos e pelos advogados, tanto em Glasgow quanto em Edimburgo.  É provável que David Hume tenha assistido às palestras de Edimburgo em 1752, pois os dois se tornaram amigos leais logo depois.

Smith foi um membro fundador da Sociedade Literária de Glasgow no ano seguinte; a sociedade se engajava em discussões e debates de alto nível, e se reunia diligentemente todas as quintas-feiras de novembro a maio.  Hume e Smith eram membros, e em uma das primeiras sessões Smith leu uma descrição de alguns dos recém impressos Discursos Políticos de Hume.  Estranhamente, os dois amigos, claramente os membros mais brilhantes da Sociedade, eram extremamente acanhados, e nunca disseram uma palavra em qualquer uma das discussões.

Não obstante seu acanhamento, Smith era um ativo e inveterado sócio de clubes, tornando-se o principal membro da Sociedade Filosófica de Edimburgo e da Sociedade Seleta (também de Edimburgo), que prosperaram durante a década de 1750 e que se reuniam semanalmente, juntando a moderada alta elite do clero, membros universitários e advogados.  Smith também era membro ativo do Clube de Economia Política de Glasgow, do Oyster Club (Edimburgo), do Simson's Club de Glasgow, e do Poker Club (Edimburgo), fundado por seu amigo Adam Ferguson, professor de filosofia moral da Universidade de Edimburgo, especificamente para promover o 'espírito guerreiro'.

Como se isso não fosse o suficiente, Adam Smith foi um dos principais contribuidores e editores da malograda Edinburgh Review (1755-56), dedicada amplamente à defesa de seus amigos Hume e Kames contra a linha dura evangélica do clérigo calvinista da Escócia.  A Edinburgh Review foi fundada pelo jovem e brilhante advogado Alexander Wedderburn (1733-1805), que viria a ser juiz, depois membro do parlamento inglês e finalmente Juiz Supremo britânico (1793-1801).  Wedderburn era latitudinário a ponto de defender a licença de bordeis.  Outros luminares da Edinburgh Review eram membros da elite moderada: o político John Jardine (1715-60), cuja filha se casou com o filho de Lord Kames; o poderoso reverendo William Robertson, e o reverendo Hugh Blair (1718-1800), professor de retórica da Universidade de Edimburgo.

A intensidade do presbiterianismo de Adam Smith, ainda que ele não fosse fundamentalista, pode ser vista em sua relação com Hugh Blair.  Blair, um pastor da igreja Greyfriars, em Edimburgo, estava em constante atrito com o clérigo calvinista ortodoxo, que repetidamente o denunciava aos presbitérios de Glasgow e Edimburgo.  Em A Riqueza das Nações, Adam Smith prestou o seguinte encômio ao clérigo presbiteriano: 'Talvez seja difícil encontrar em qualquer lugar da Europa um grupo de homens mais erudito, decente, independente e respeitável do que a maior parte do clérigo presbiteriano da Holanda, de Genebra, da Suíça e da Escócia.'  Seu velho amigo Blair, embora ele próprio um dos principais clérigos presbiterianos, comentou em uma carta a Smith: 'Você está, creio eu, sendo excessivamente benévolo para com o Presbitério'.

Após Smith publicar sua filosofia moral em sua obra A Teoria dos Sentimentos Morais (1759), sua crescente fama lhe valeu uma posição altamente lucrativa em 1764 como tutor do jovem Duque de Buccleuch.  Por causa desses três anos de tutoragem, os quais ele passou com o jovem duque na França, Smith foi premiado com um salário anual vitalício de £300, duas vezes seu salário anual em Glasgow.  Durante esses três agradáveis anos na França, ele foi apresentado a Turgot e aos fisiocratas.  Tendo completado sua tarefa tutorial, Smith voltou à sua cidade natal Kirkcaldy, onde, tranqüilo com seu ordenado vitalício, ele trabalhou por dez anos para finalizar A Riqueza das Nações, a qual ele já havia começado durante sua estadia na França.

A fama de A Riqueza das Nações levou seu orgulhoso pupilo, o Duque de Buccleuch, a dar a Smith, em 1778, o altamente bem pago posto de comissário da alfândega escocesa em Edimburgo.  Com um salário de £600 anuais por esse posto governamental, o qual ele manteve até o dia de sua morte em 1790, acrescido de sua bela pensão vitalícia, Adam Smith estava ganhando perto de £1000 por ano - uma 'receita principesca', como um de seus biógrafos descreveu.  O próprio Smith escreveu nessa época que ele estava 'tão rico quanto eu poderia sonhar'.  Ele lamentava apenas ter de comparecer ao seu posto de trabalho na alfândega, o que lhe roubava tempo de suas 'atividades literárias'.   

Contudo, essa lamentação dificilmente era verídica.  Em contraste ao que diz a maioria dos historiadores, que trataram o cargo alfandegário de Smith embaraçosamente como uma sinecura à qual ele não comparecia e que ele havia ganhado meramente como recompensa por suas conquistas intelectuais, pesquisas recentes mostram que Smith trabalhava em tempo integral em seu posto, frequentemente presidindo as reuniões diárias do conselho de comissários da alfândega.  Mais ainda: Smith quis essa nomeação e aparentemente achou o cargo agradável e relaxante.  É verdade que Smith gastou pouco tempo e energia em estudos e escritas após sua nomeação; mas havia a disponibilidade de licenças do trabalho, as quais Smith não demonstrou o menor interesse em utilizar.  Ademais, o que permitiu a Smith buscar essa nomeação não foram bem seus feitos intelectuais; o cargo lhe foi dado mais como recompensa pelos conselhos prestados como consultor para assuntos tributários e orçamentais do governo britânico desde meados da década de 1760.[5]

A divisão do trabalho

É apropriado começar a discutir A Riqueza das Nações focando a divisão do trabalho, uma vez que o próprio Smith começa sua obra nesse ponto e dado que, para Smith, essa divisão tinha importância crucial e decisiva.  Seu professor Hutcheson também havia analisado a importância da divisão do trabalho nas economias em desenvolvimento, assim como haviam feito o mesmo Hume, Turgot, Mandeville, James Harris e outros economistas.  Mas para Smith, a divisão do trabalho assumiu uma importância excessiva e agigantada, relegando às sombras questões cruciais como acumulação de capital e o crescimento do conhecimento tecnológico.  Como Schumpeter demonstrou, nunca para um economista anterior ou posterior a Smith a divisão do trabalho adquiriu tal posição de predominante importância.

Porém há mais problemas com a divisão do trabalho smithiana, além do fato de ele ter exagerado sua importância.  A mais velha e mais verdadeira percepção do real motivo da especialização e das trocas é simplesmente o fato de que cada lado de uma troca (que necessariamente envolve dois lados e duas mercadorias) se beneficia (ou ao menos espera se beneficiar) dessa troca; de outra forma a troca não ocorreria.  Porém Smith desafortunadamente desvia o foco principal desse fenômeno: segundo ele, ao invés do benefício mútuo, há uma supostamente irracional e inata 'propensão a permutar, trocar e cambiar', como se os seres humanos fossem toupeiras comandadas por forças exteriores a seus próprios propósitos escolhidos.

Como demonstrou Edwin Cannan, Smith escolheu essa direção porque ele rejeitava a ideia de que há diferenças inatas nos talentos naturais e nas habilidades, o que naturalmente resultaria na busca por ocupações diferentes e especializadas.  Smith, ao contrário, escolheu a posição igualitária e ambientalista - ainda hoje dominante na economia neoclássica - de que todos os trabalhadores são iguais, e que, portanto, a diferença entre eles é resultado, e não a causa, do sistema de divisão do trabalho.

Além disso, Smith foi incapaz de aplicar sua análise da divisão do trabalho ao comércio internacional, o que teria fornecido poderosa munição para suas próprias políticas de livre comércio.  Coube a James Mill fazer tais aplicações em sua excelente teoria das vantagens comparativas.  Ademais, domesticamente, Smith deu excessiva importância à divisão do trabalho dentro de uma fábrica ou indústria, ao mesmo tempo em que negligenciou a bem mais significativa divisão do trabalho entre as indústrias.

Mas se Smith tinha um exagerado apreço pela importância da divisão do trabalho, ele paradoxalmente semeou grandes problemas para o futuro ao introduzir a moderna e crônica reclamação sociológica sobre especialização, a qual foi rapidamente apropriada por Karl Marx e desde então tem sido elevada ao estado de arte por socialistas ranzinzas que reclamam da 'alienação'.  Não há como negar que Smith se contradisse totalmente entre o Livro I e o Livro V de A Riqueza das Nações.  No primeiro, a divisão do trabalho sozinha explica a riqueza da sociedade civilizada - e, com efeito, a divisão do trabalho é repetidamente equiparada a 'civilização' ao longo do livro.  E ainda assim, enquanto que no Livro I a divisão do trabalho é aclamada por expandir a vivacidade e a inteligência da população, no Livro V ela é condenada por levar à sua degeneração moral e intelectual, à perda de suas 'virtudes intelectuais, sociais e guerreiras'.  Não há como tal contradição ser plausivelmente conciliada.[6]

Adam Smith, embora fosse ele próprio um plagiário de marca maior, como já foi dito, sofria também do complexo de Colombo, frequentemente acusando outras pessoas de estarem injustamente plagiando-o.  Em 1755, ele inclusive chegou a reivindicar a invenção do conceito de laissez-faire, ou o sistema de liberdade natural, afirmando que fora ele quem havia lecionado esses princípios desde as palestras de Edimburgo, em 1749.  Pode ser.  Mas a alegação ignora que tais expressões já haviam sido ditas por seus próprios professores, bem como por Hugo Grócio e Pufendorf, para não mencionar Boisguilbert e os outros pensadores laissez-faire franceses do final do século XVII.

Em 1769, o contencioso Smith acusou de plágio o diretor William Robertson por ocasião da publicação do livro History of the Reign of Charles V, de autoria deste último.  Não se sabe qual seria o tópico do roubo literário, e é difícil imaginar, considerando a distância entre a obra de Smith e o tema do livro de Robertson.

A mais famosa acusação de plágio lançada por Smith foi contra seu amigo Adam Ferguson sobre a questão da divisão do trabalho.  O professor Hamowy mostrou que Smith não terminou a amizade com seu velho amigo, como anteriormente havia se pensado, por causa do uso que Ferguson fez do conceito de divisão do trabalho em seu Ensaio Sobre a História da Sociedade Civil, de 1767.

Pela visão de todos os escritores que haviam empregado o conceito anteriormente, esse comportamento seria ridículo, mesmo para Adam Smith.  O professor Hamowy supõe que o fim da amizade veio no início dos anos 1780, por causa de uma discussão proposta por Ferguson, em seu clube, sobre aquilo que viria a ser publicado mais tarde como parte de seu Principles of Moral and Political Science, de 1792. 

Nesse seu livro, Ferguson sumariza o exemplo da fábrica de alfinetes que constitui a passagem mais famosa de A Riqueza das Nações.  Smith descreve uma pequena fábrica de alfinetes na qual dez trabalhadores, cada qual especializado em um diferente aspecto do trabalho, poderiam produzir mais de 48.000 alfinetes por dia, ao passo que se cada um desses dez fizesse todo o alfinete sozinho, eles poderiam não fazer sequer um alfinete por dia, e certamente não mais do que 20.  Dessa forma, a divisão do trabalho multiplicou enormemente a produtividade de cada trabalhador. 

Em seu livro Principles, Ferguson escreveu: 'Um agrupamento consistente de pessoas, no qual cada uma delas executa apenas uma parte da fabricação de um alfinete, pode produzir muito mais em um determinado intervalo de tempo do que talvez o dobro do número de trabalhadores seria capaz caso cada um fosse produzir um alfinete inteiro ou executar todas as etapas da construção desse diminuto artigo'.

Quando Smith censurou Ferguson por este não reconhecer sua precedência no exemplo da fábrica de alfinetes, Ferguson retorquiu dizendo que ele nada havia pegado emprestado de Smith, e que na verdade ambos haviam retirado esse exemplo de uma fonte francesa 'a qual Smith havia pegado antes dele'.  Há fortes evidências de que a 'fonte francesa' para ambos os escritores tenha sido o artigo sobre epingles (alfinetes) na Encyclopédie (1755), já que o artigo menciona 18 operações distintas necessárias para se fabricar um alfinete, o mesmo número repetido por Smith em A Riqueza das Nações - embora nas fábricas inglesas da época, 25 fosse o número mais comum de operações necessárias.

Assim, Adam Smith terminou uma antiga e duradoura amizade ao injustamente acusar Adam Ferguson de ter plagiado dele um exemplo que, na verdade, ambos haviam retirado sem reconhecimento da Encyclopédie francesa.  O comentário feito pelo reverendo Carlyle de que Smith possuía 'um pouco de ciúmes em seu temperamento' parece ser uma enorme atenuação, e somos informados em seu registro obituário na Monthly Review de 1790 que 'Smith vivia constantemente em tamanha apreensão de ter suas ideias roubadas que, se ele visse algum de seus alunos anotando suas apresentações, ele iria instantaneamente interrompê-lo e dizer "Odeio escrevinhadores"'.[7]

O exemplo dado por Smith de uma pequena fábrica francesa de alfinetes, ao invés de utilizar uma grande fábrica britânica, realça um fato curioso sobre seu celebrado A Riqueza das Nações: o renomado economista parecia não ter tido o menor conhecimento acerca da Revolução Industrial que acontecia ao seu redor.  Embora ele fosse amigo do Dr. John Roebuck, o proprietário da siderurgia Carron, cuja inauguração em 1760 marcou o início da Revolução Industrial na Escócia, Smith não demonstrou qualquer indicação de que sabia de sua existência.

Não obstante ele fosse pelo menos um conhecido do grande inventor James Watt, Smith não demonstrou ter qualquer conhecimento de algumas das principais invenções de Watt.  Ele não fez qualquer menção em seu famoso livro ao boom na construção de canais que havia começado no início da década de 1760, à existência da próspera indústria têxtil de algodão, à indústria de cerâmica ou aos novos métodos de fabricação de cerveja.  Também não há referência à enorme queda nos custos das viagens trazida pelas novas estradas pedagiadas.

Portanto, em contraste com aqueles historiadores que o louvam por sua apreensão empírica das questões econômicas e industriais contemporâneas, Adam Smith estava totalmente desatento em relação aos importantes eventos econômicos que o rodeavam.  Grande parte de sua análise estava errada, e muitos dos fatos que ele incluiu em seu A Riqueza das Nações eram obsoletos e foram coletados de livros velhos mais de 30 anos.

Trabalho produtivo vs. improdutivo

Uma das mais dúbias contribuições dos fisiocratas para o pensamento econômico foi sua visão de que apenas a agricultura era produtiva, que apenas a agricultura contribuía para que houvesse excedentes - produit net - na economia.  Smith, fortemente influenciado pelos fisiocratas, manteve o infeliz conceito de trabalho 'produtivo', mas o expandiu da agricultura para bens materiais em geral.  Para Smith, portanto, o trabalho voltado para objetos materiais era 'produtivo'; mas o trabalho voltado para, digamos, serviços, ou produção intangível, era 'improdutivo'.

A parcialidade de Smith em favor de objetos materiais equivalia a uma propensão em favor de investimentos em bens de capital, uma vez que um estoque de bens de capital por definição tem de estar incorporado em objetos materiais.  Bens de consumo, por outro lado, podem tanto ser serviços intangíveis ou bens quaisquer - sendo que, nesse caso, eles acabam sendo exauridos no processo de consumo.  A apologia de Smith à produção material, portanto, era uma maneira indireta de defender investimentos na acumulação de bens de capital em contraposição ao próprio objetivo de se produzir bens de capital: aumentar o consumo.

Quando foi discutir exportações e importações, Smith percebeu bem que não fazia sentido apenas acumular objetos intermediários; o acúmulo só faria sentido se eles viessem a ser posteriormente consumidos, isto é, se eles fabricassem algo.  Afinal, o único objetivo da produção é o consumo. 
Mas como o professor Roger Garrison demonstrou, a consciência presbiteriana de Adam Smith o levou a valorizar o trabalho per se, o trabalho como sua própria finalidade, e a rejeitar as preferências temporais que existem no livre mercado entre poupança e consumo.

Claramente Smith queria muito mais investimento voltado para a produção futura e menos consumo presente do que o mercado estaria disposto a escolher.  Uma das contradições de sua posição é que acumular mais bens de capital em detrimento do consumo presente irá, no final, resultar em um maior padrão de vida apenas se se permitir que esses meios de produção possam ser consumidos fabricando bens. 
Afinal de que adianta ter meios de produção se esses não podem ser consumidos? 
Mas aparentemente Smith queria que houvesse um acúmulo cada vez maior de meios de produção que nunca poderiam ser consumidos.

Notas

[1] Das AdamSmithProblem referia-se a apenas um dos numerosos enigmas e contradições presentes na saga de Adam Smith: a enorme disparidade entre os direitos naturais - as visões laissez-faire contidas em sua obra A Teoria dos Sentimentos Morais - e as visões muito mais limitadas contidas em sua posterior e decisivamente influente A Riqueza das Nações.

[2]  Em um iluminador artigo sobre 'Os Reconhecimentos de Adam Smith', o professor Salim Rashad escreveu que 'Foi dito por Schumpeter que essa [não reconhecer as fontes] era a prática daquela época.  Isso é incorreto.  Se buscarmos alguns dos trabalhos citados em A Riqueza das Nações, como os Tratados sobre o Comércio de Cereais de Charles Smith ou Memorandos sobre o Algodão de John Smith, veremos ali um escrupuloso reconhecimento desses autores em relação a suas dívidas intelectuais.  Dentre os contemporâneos de Smith, Gibbon é bem conhecido pelo cuidado que tinha em fornecer suas referências, o mesmo sendo válido para o mais famoso escritor agrícola da época de Smith, Arthur Young.' Salim Rashed in 'Adam Smith's Acknowledgements: Neo-Plagiarism and the Wealth of Nations,' Journal of Libertarian Studies, 9 (Autumn 1990), p.11.

[3] A primeira e mais consistente peça do moderno revisionismo sobre Smith veio um ano antes em dois excelentes e iluminadores artigos de Emil Kauder: : 'Genesis of the Marginal Utility Theory: From Aristotle to the End of the Eighteenth Century,' in J. Spengler e W. Allen (eds), Essays in Economic Thought (Chicago: Rand McNally and Co., 1960), pp. 277-87; e 'The Retarded Acceptance of the Marginal Utility Theory,' Quarterly Journal of Economics (Nov. 1953), pp. 564-75.  Porém a revisão de Schumpeter foi muito mais influente.

[4] Infelizmente, desde a celebração do bicentenário de Smith ocorrida em meados da década de 1970, começou uma tendência contrarrevisionsta para tentar restaurar a atitude hagiográfica que dominava antes dos anos 1950.

[5]  Para uma nova visão sobre o mandato de Smith na alfândega baseada em uma investigação original das minutas - escritas à mão - do conselho de comissários da alfândega, 1778-90, bem como das várias cartas escritas por Smith aos coletores de impostos alfandegários lotados em outros portos da Escócia, ver o importante artigo de Gary M. Anderson, William F. Shughart II e Robert D. Tollison, 'Adam Smith in the Customhouse,' Journal of Political Economy, 93 (August 1985), pp. 740-59.

[6] O interesse sobre a alienação começou com o influente Essay on the History of Civil Society (1767), escrito por Adam Ferguson, amigo de Smith.  Um tema similar, entretanto, apareceu nas palestras não publicadas de Smith feitas em Glasgow, 1763.  Sobre a influência de Ferguson, ver M.H. Abrams, Natural Supernaturalism (New York: W.W. Norton, 1971), pp. 220-21, 508. 

[7] Citado em Ronald Hamowy, 'Adam Smith, Adam Ferguson, and the Division of Labour', Economica (August 1968), p. 253.

Murray N. Rothbard
(1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.



sábado, 18 de fevereiro de 2017

Quais são as boas notícias que não estão lhe contando

A crescente automação em vários setores da economia se transformou em uma grande preocupação nos últimos anos. Com os algoritmos dos computadores se tornando cada vez mais sofisticados, as máquinas estão se tornando cada vez mais capacitadas para realizar trabalhos que são o ganha-pão de várias pessoas.


Carros sem motorista já estão, há um bom tempo, sendo testados nas estradas americanas e européias. Embora ainda não estejam disponíveis comercialmente, é apenas uma questão de tempo para que o sejam. Quando isso acontecer, eles irão substituir não apenas os taxistas, como também as pessoas que hoje trabalham para empresas como Uber e Lyft. Afinal, se os empregadores puderem remover os gastos relacionados ao pagamento de motoristas, eles poderão fornecer seus serviços a preços muito menores. Simultaneamente, ainda conseguirão reter um maior lucro líquido.
Veículos automatizados (e autônomos) também irão substituir caminhoneiros.

Mas não é só nessa área que a automação irá sacudir o mercado de trabalho. Nos países mais ricos, já vemos a integração de várias máquinas de auto-atendimento nas grandes redes de supermercado, substituindo os caixas humanos. Mesmo restaurantes fast-foods estão adotando essa tendência. O McDonald’s atualmente possui quiosques em várias localidades que permitem aos clientes pedir e receber sua comida sem qualquer interação humana. As redes Carl’s Jr. e Hardees também já anunciaram que irão testar quiosques automatizados em seus estabelecimentos.

Ainda em 2012, uma startup de robótica chamada Momentum Machines apresentou um protótipo de uma máquina totalmente autônoma que recebe os pedidos dos clientes, cozinha a carne, fatia os vegetais, monta o hambúrguer, embala-o, e entrega ao cliente. Esta máquina se mostrou capaz de preparar 400 hambúrgueres em uma hora. A empresa já comprou um prédio na cidade de San Francisco e pretende inaugurar um restaurante totalmente autônomo em breve. 

Tal restaurante ainda irá necessitar de alguns poucos humanos, que terão as funções de garantir que as máquinas funcionem harmoniosamente, retirar o dinheiro das máquinas e efetuar outras tarefas menores.
Obviamente, caso essa hamburgueria automatizada se comprove lucrativa, é de se esperar que as grandes cadeias sigam essa tendência.

A pergunta que está na cabeça de várias pessoas é: se as máquinas podem conduzir as pessoas em carros e processar pedidos e fazer sanduíches, o que ocorrerá com os milhões de indivíduos que atualmente estão empregados nessas profissões?
Os mercados mudam — e isso vem ocorrendo desde o surgimento dos mercados
Mas o fato é que essas tendências, embora surpreendentes, realmente não têm nada de novo. O mundo se desenvolveu e enriqueceu exatamente dessa maneira.

As impressoras eliminaram a necessidades de escribas (pessoas que literalmente tinham de escrever a mesma coisa várias vezes para assim difundir uma obra). E, mais recentemente, a mídia online reduziu a necessidade de impressoras (hoje, você mesmo pode publicar seu livro online, sem ter de recorrer a editoras).
As máquinas de venda automática — tanto para tickets quanto para cervejas, refrigerantes e guloseimas — já substituíram os vendedores humanos há muito tempo. E não nos esqueçamos de que ascensoristas eram extremamente comuns no passado, pois apenas eles sabiam como operar um elevador.

Voltando ainda mais no tempo: no passado, a maioria das pessoas trabalhava no campo. A automação acabou com 99% desses empregos. Literalmente, 99%. Eles não existem mais. O trator substituiu o arado e a enxada.

A criação do automóvel e do caminhão tornou obsoleto todo o setor de transporte manual, em que cargas eram carregadas nas costas por vários trabalhadores. Já o computador provavelmente destruiu mais empregos do que qualquer outra inovação tecnológica na história da humanidade, com a possível exceção do automóvel.  

Por sua vez, a eletricidade destruiu um sem-número de empregos na indústria de velas e na indústria de carvão.
Ao mesmo tempo, todas essas invenções destruidoras de empregos acabaram criando outros novos empregos que até então ninguém jamais havia imaginado serem possíveis.
Quem gostaria de voltar a viver em um mundo sem carros, computadores, internet e eletricidade, considerando todos os empregos que tais invenções destruíram? 

Quem gostaria de voltar a viver em um mundo em que praticamente todos os seres humanos tinham de trabalhar exaustivamente no campo — querendo ou não — apenas para sobreviver?

Hoje, ninguém se queixa de nenhuma dessas invenções. Ninguém se queixa da falta de empregos para escribas, para ascensoristas, e para operários em fábricas de carroça e de máquinas de escrever. Sabemos que esses empregos desapareceram porque tais tarefas podem hoje ser efetuadas muito mais econômica e rapidamente por outros meios.

O mesmo continua ocorrendo hoje, só com que outros empregos.
Outro fato digno de menção é que a automação cria luxos com os quais a humanidade jamais havia sonhado. Mais ainda: ela nos entrega serviços que jamais sequer sabíamos que queríamos. Por exemplo, antes de inventarmos os automóveis, o ar condicionado, as televisões de tela plana e o cinema, ninguém que vivia na Roma antiga sonhava com a possibilidade de assistir a filmes em um televisor de tela plana enquanto se locomoviam para Atenas dentro de um veículo confortável e climatizado.

Adicionalmente, a automação nos possibilitou empregos com os quais jamais havíamos sonhado. A industrialização e suas máquinas fizeram mais do que apenas aumentar nossa expectativa de vida. Ao libertar a humanidade da necessidade de efetuar trabalhos pesados, maçantes, brutos e monótonos, ela levou uma grande fatia da população a decidir que humanos foram feitos para ser músicos, filósofos, bailarinos, matemáticos, atletas, artistas, designers de moda, professores de ioga, escritores de romances e, hoje, pessoas com profissões mais “exóticas“, como YouTuber, Instagramer, jogador profissional de videogame etc.

O mesmo é válido para a atual tendência da automação. No futuro, olharemos para o passado (hoje) e teremos vergonha do fato de que seres humanos eram utilizados para fazer determinados tipos de trabalho braçal, monótono e intelectualmente desestimulante.

Reduzindo o custo de vida
Em economias livres e dinâmicas, os empreendedores estão continuamente se esforçando para implantar inovações que os tornem mais eficientes e, consequentemente, mais lucrativos e mais preparados para agradar os consumidores. Uma maior automação apenas intensificará esse processo.

Isso, no entanto, leva a um questionamento bastante comum: sim, é fato que todas essas inovações permitidas pela automação irão criar empregos para as pessoas mais capacitadas e qualificadas, como os engenheiros que constroem essas máquinas, os programadores e cientistas da computação que irão desenvolver os algoritmos para essa máquinas, e os profissionais da Tecnologia da Informação, que irão lidar com os problemas de software e de hardware sempre que estes ocorrerem.

Mas e os trabalhadores pouco qualificados? É certo que nem todo mundo tem o privilégio (ou o tempo, dado que várias famílias são obrigadas a ter vários empregos para pagar suas contas) de se tornar criadores, codificadores e reparadores de máquinas.
E mesmo que absolutamente cada empregado das redes de fast-food, cada taxista e cada caminhoneiro adquirisse uma nova habilidade, isso faria com que os outros mercados se tornassem saturados de mão-de-obra qualificada à procura de um novo emprego.

O que fazer?
Com o efeito, a resposta está à nossa volta: o benefício da automação, hoje e sempre, é o de reduzir o custo de vida (os preços relacionados à tecnologia estão ou em queda ou estáveis) e o de fazer com que todo e qualquer trabalho seja mais produtivo (salários maiores em termos reais).

Analisando o que ocorreu ao longo das últimas décadas com itens como tecnologia, alimentação e vestuário, veremos que houve uma queda dramática nos preços — quando mensurados em termos de horas de trabalho necessárias para se adquirir a mesma quantidade de cada item — e uma sensível melhora na qualidade dos produtos.
Isso, aliás, vem ocorrendo desde a invenção da roda e de todas as outras máquinas que reduzem a necessidade de esforço físico.
Isso, no entanto, leva a outra objeção: de nada adianta haver bens mais abundantes e baratos se ninguém tiver emprego (e renda) para comprá-los. 

Qual a resposta?
 Nada muda. O cenário mais realista é o de que, com os preços em queda (como já estão nos países de economia estável), serão necessários menos empregos e menos horas de trabalho para se manter uma família.
Isso, aliás, foi exatamente o que ocorreu ao longo do século XX, quando a jornada de trabalho foi continuamente reduzida — graças aos avanços tecnológicos e à acumulação de capital — e os trabalhadores passaram a trabalhar cada vez menos. 

Simultaneamente, o padrão de vida subiu continuamente.
Para fazer esse exercício de previsão, todos os fatos têm de ser considerados: a inovação nos negócios poderá acabar com empregos obsoletos; porém, com a maior eficiência permitida pela automação, bens e serviços custarão cada vez menos.

Peguemos, por exemplo, os carros autônomos. Embora seja de se lamentar que eles irão gerar um desemprego temporário para vários motoristas profissionais, a queda nos preços do transporte serão uma dádiva para todo o resto da humanidade.

Isso poderá ser especialmente benéfico para várias famílias de baixa renda, que gastam uma grande fatia de sua renda mensal com manutenção, seguro, combustível e impostos de seu carro. E as que nem sequer têm carro, vêem seu salário descontado por causa do vale-transporte. Para todas essas pessoas, não apenas ter um carro passará a ser desnecessário, como também os gastos com transporte serão cada vez menores. Elas agora poderão usar automóveis esporadicamente — como muito já fazem ao recorrer ao Uber —, e a preços irrisórios. Isso terá um efeito excepcional sobre a sua renda.

Com efeito, várias famílias já relataram que não têm como pagar caso seu carro necessite de um serviço de manutenção de emergência [no Brasil, é ainda pior]. Consequentemente, para muitas famílias, a possibilidade de seu carro estragar representa um assustador risco econômico. Por outro lado, o surgimento de transportes autônomos em larga escala irá reduzir acentuadamente este risco para o orçamento das famílias.
Muitas outras famílias também irão perceber que não mais será economicamente sensato ter um carro próprio e incorrer em todas as suas despesas de manutenção, seguro, combustível e impostos. Ato contínuo, irão optar pelos transportes autônomos e baratos. Consequentemente, terão mais dinheiro para gastar em outras coisas, ou mais dinheiro para poupar e investir.

Conclusão
Embora a inovação tecnológica possa eliminar os empregos de algumas pessoas, outras várias pessoas serão enormemente beneficiadas.
Se os preços de vários bens e serviços caírem em decorrência da automação, os salários mais baixos passarão a ser suficientes para que várias pessoas vivam confortavelmente. Isso é o que é chamado de “amento na renda real”, e é o que realmente importa.

De resto, como a história repetidamente já demonstrou, a automação sempre representou uma libertação para o ser humano, não só livrando-o da necessidade de realizar trabalhos braçais pesados e desumanos, como ainda permitindo um aumento exponencial da sua renda: a renda média diária mundial, que era de $ 3 há dois séculos, hoje é de $ 33, já descontando a inflação. 

E, nos países ricos, é de US$ 100 por dia;
Essa libertação material nos permitiu viver vidas mais confortáveis, mais humanas e muito mais gratificantes do que outras gerações jamais experimentaram. Se isso, por si só, não é um argumento convincente, então nenhum outro pode ser.

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