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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Ninguém tem direito à liberdade de expressão

Introdução
É de praxe muitos libertários afirmarem “sou a favor da liberdade de expressão, mas…”. Entendamos que tal afirmação é demasiado perigosa. Quando esses “libertários” fazem tal afirmação ao defenderem a liberdade de expressão com uma ressalva, mesmo que tais expressões saiam de sua propriedade, dão carta branca ao governo para que acabe controlando a liberdade de expressão e, de certa forma, exercer algum limite que ele decidirá qual é.

Liberdade de expressão é um dos mais importantes exercícios de liberdade que existe. Talvez até mesmo o mais importante. 

É certamente também um dos exercícios de liberdade defendidos de maneira mais hipócrita. Antes de mais nada, devemos dizer que a liberdade de expressão é mais do que o direito de expor e debater assuntos controversos ou, como diria George Orwell:
Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir.” [1]

A liberdade de expressão é acima de tudo o exercício mínimo do direito de propriedade, e por isso ela, dentro dos direitos de propriedade, é um dos mais importante tipos de liberdade que podemos exercer.

A partir de agora segue a explicação sobre o que é a liberdade de expressão e sobre os conflitos com o direito à propriedade.
 Explicando a liberdade de expressão e o direito de propriedade
Apenas uma coisa pode limitar a nossa expressão: a propriedade privada. A bem da verdade, o que existe é apenas o direito de propriedade. Não temos o direito à vida ou à liberdade, que são conceitos violáveis apenas quando a nossa propriedade é violada. 

A liberdade de expressão é a mesma coisa. Para Rothbard, nós não temos direito à liberdade de expressão, nós temos apenas o direito de fazer o que quiser na nossa propriedade contanto que não violemos as demais. 

Como ele deixa bem claro: Tomemos, por exemplo, o “direito humano” de livre expressão. A liberdade de expressão deve significar o direito de todos a dizer tudo o que quiserem. 
Mas a questão que deixamos de lado é: onde? Onde um homem tem esse direito? Certamente não o possui na propriedade que infringe. 
Em suma, ele tem esse direito somente na própria propriedade ou na propriedade de alguém que concordou, graciosamente ou por contrato de locação, a permitir-lhe a presença no recinto. 

Na verdade, então, não há um “direito à livre expressão” como algo aparte; há somente o direito de propriedade: o direito de fazer o que bem entender com aquilo que é seu ou de fazer acordos voluntários com outros proprietários. [2] 

Significa que você pode se expressar como você quiser na sua propriedade. Para deixar mais claro, Rothbard escreveu mais tarde em A Ética da Liberdade:
Em resumo, uma pessoa não possui um “direito à liberdade de expressão”; o que ela possui é o direito de alugar um salão e de discursar para as pessoas que entrarem no espaço. Ela não possui um “direito à liberdade de imprensa”; o que ela possui é o direito de escrever ou publicar um panfleto, e de vender este panfleto para aqueles que desejarem comprar (ou de distribuí-lo para aqueles que desejarem aceitá-lo). Deste modo, o que ela possui em cada um destes casos são direitos de propriedade, incluindo o direito de livre contrato e transferência que constitui uma parte destes direitos de posse. Não existe nenhum direito extra de “liberdade de expressão” ou de liberdade de imprensa além dos direitos de propriedade que uma pessoa pode possuir em qualquer caso concebível. [3]

Como adaptar isso à Era da Informação? Tomemos como exemplo redes sociais como o Facebook. Você não pode postar exatamente o que quiser. Você pode postar somente o que o site permitir. A conta em si é sua, mas sujeita às regras privadas que você aceitou nos termos de uso do site. Portanto, não será censura se o site apagar ou bloquear algum conteúdo ou mesmo a conta de quem postou. Como disse Ayn Rand:
“Censura” é um termo pertinente apenas à ação governamental. Nenhuma ação privada é censura. Nenhum indivíduo ou agência privados podem silenciar um homem ou suprimir uma publicação; só o governo pode. A liberdade de expressão dos indivíduos privados inclui o direito de não concordar, não escutar e não financiar seus próprios antagonistas. [4]

Simplesmente a censura privada é algo impossível. Portanto a liberdade de expressão defendida aqui será apenas aquela exercida dentro de sua propriedade. Portanto, fica claro que não existe liberdade de expressão fora de sua propriedade.

 Liberdade de expressão e a ética
Sabendo que temos direito à liberdade de expressão somente dentro de nossas propriedades podemos abordar desde já o seu exercício. Para Ron Paul a liberdade de expressão não existe para conversarmos sobre o clima, e sim sobre aquilo que é controverso, [5] para podermos dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir, como afirma George Orwelll. [6] 

O que acontece hoje é que muitos querem controlar o que julgam necessário sem entender direito o que deve ou não ser caracterizado como um crime. O que deve ser deixado bem claro é que “agressão verbal” não existe. 

Expressões não agridem ninguém, por mais ofensiva e chocante que ela seja. Phillip Pullman, famoso pela sua obra A Bússola de Ouro, ao comentar o seu livro The Good Man Jesus and the Scoundrel Christ (O Bom Homem Jesus e o Cristo Canalha, em tradução livre) disse:
Ninguém tem o direito de viver sem se chocar. Ninguém tem o direito de passar a vida sem ser ofendido. 
Ninguém tem que ler este livro. Ninguém tem que pegá-lo, ninguém tem que abri-lo. Se você o lê e não gosta, não precisa ficar em silêncio. Pode escrever para mim, você pode reclamar. Você pode escrever para a editora, pode escrever para os jornais. 
Você pode escrever o próprio livro. Você pode fazer todas essas coisas, mas aí o seu direito termina. Ninguém tem o direito de me impedir de escrever este livro.
Ninguém tem o direito de impedir que este livro seja publicado, ou comprado, ou vendido, ou lido. [7]

Pullman tem absoluta razão. Qualquer pessoa ou instituição que impedi-lo de publicar o livro ou limitar, alterar ou regular o seu conteúdo não está apenas violando a liberdade de expressão do autor, mas sim o seu direito de propriedade. Pullman não está nada mais e nada menos que exercendo a liberdade de se expressar por meio de sua propriedade e da propriedade de quem lhe permitiu tal exercício. 

O que significa que, sabendo que expressões em si não violam os direitos de ninguém, a ofensa é também um exercício de liberdade de expressão, uma vez que ela apenas expõe o que o ofensor pensa a respeito do ofendido.
Suponhamos que A, em sua casa, xingue B. B não pode repreendê-lo, pelo fato de ele estar na casa de A, mas teria o direito de xingar de volta, o que no caso daria direito a A de expulsar B  pela resposta, [8] se esta fosse proibida por A. Se B estiver em sua casa e A xingá-lo, ele teria o direito de expulsar A de sua propriedade. Caso A xingue B dentro da casa de C, caberá a C decidir se a atitude de A é permitida. Ou seja, se C proibir ofensas em sua propriedade, ele terá o direito de expulsar A pela ofensa. 

O que nos leva a concluir o que Rothbard disse anteriormente: [9] não existe o direito à liberdade de expressão, mas, sim, apenas o direito de propriedade. Em todos os casos citados em que a expulsão foi justificada houve o exercício do direito à propriedade, mas em nenhuma houve o de liberdade de expressão. 

Apenas no primeiro, quando A xingou B dentro de sua propriedade.
O exercício de liberdade de expressão não se limita apenas a xingamentos. A liberdade de expressão também nos dá o direito de expressar e debater qualquer pensamento, conhecimento (mesmo que falso) e sentimento. Xingar, injuriar, difamar, caluniar ou mesmo chantagear, tudo isso faz parte da liberdade de expressão. Ainda que tais atos possam parecer controversos.

No caso da chantagem, o filósofo americano Robert Nozick se mostra contrário e ainda argumenta que a chantagem não seria uma “troca produtiva”:
Embora as pessoas valorizem o silêncio de um chantagista, e cheguem a pagar por ele, o seu silêncio não é uma atividade produtiva. A situação de suas vítimas não se alteraria se o chantagista nunca tivesse existido, e, portanto, não as tivesse ameaçando. E de modo algum não estariam em pior situação se soubessem que a troca era absolutamente impossível. 

No ponto de vista assumido aqui, o vendedor desse silêncio só poderia cobrar legitimamente por aquilo a que renuncia com seu silêncio. Aquilo a que renuncia não inclui o pagamento que ele poderia ter recebido para abster-se de revelar a informação, embora que inclua, sim, o pagamento que outras pessoas fariam para revelar a informação. [10]
O utilitarismo de Robert Nozick se mostra muito perigoso principalmente ao negar que os valores são subjetivos. Isso passa a impressão de que, ainda que não explicitamente, ele defende a criminalização da chantagem. De qualquer forma, Nozick quis mostrar sua ilegitimidade ao alegar que ela seria uma troca improdutiva. Walter Block, porém, responde a Nozick:
[…]
as alegações contra o chantagista não sobrevivem a uma análise séria; estão baseadas num entrelaçado de senhas não averiguadas e mal-entendidos filosóficos.
O que é, exatamente, um chantagista? A chantagem é uma oferta de comércio. É o oferecimento de comerciar algo, geralmente o silêncio, em troca de algum outro bem, geralmente em dinheiro. Se a proposta é aceita, então o chantagista mantém seu silêncio, e o chantageado paga o preço combinado. Se a oferta do chantagista é rejeitada, o chantagista pode exercer seu direito de livre expressão e levar o segredo a conhecimento público. Não há nada de impróprio nisso. Só o que acontece é que é feita uma oferta de manter silêncio. Quando a oferta é rejeitada, o chantagista nada mais faz do que exercer seu direito de falar livremente. [11]

Walter Block e a livre expressão
Walter Block defende como ninguém a liberdade de expressão em Defendendo o Indefensável. Além da sua resposta a Nozick, Block aborda outras situações pouco abordadas pelos libertários, como calúnia, difamação, gritar “Fogo!” num cinema lotado, negar liberdade acadêmica e publicidade.

Ainda sobre o chantagista, Walter Block faz uma comparação moral com o fofoqueiro. Ele argumenta como ninguém que a chantagem, ainda que moralmente repulsivo, não é pior que um fofoqueiro. Afinal, o chantagista ainda oferece a chance de ele ficar calado desde que seja pago.

A única diferença entre o fofoqueiro e o chantagista é que, por um preço, o chantagista se abstém de falar. De certa forma, o fofoqueiro é muito pior do que o chantagista, pois o chantagista dá ao chantageado a chance de mantê-lo em silêncio. 

O fofoqueiro expõe o segredo sem avisar. A pessoa que tem um segredo não está melhor nas mãos de um chantagista do que nas de um fofoqueiro? Com o fofoqueiro, tudo está perdido; com o chantagista, a pessoa só pode ganhar ou, pelo menos, não ficar pior do que ficaria com o fofoqueiro. 

Se o preço pedido pelo chantagista é menor do que o que o segredo vale, a pessoa que possui o segredo paga o chantagista – sendo este o menor dos dois males. Com isso, ela ganha para si a diferença entre o que o segredo vale e o preço do chantagista. 

Quando o chantagista pede mais do que o que o segredo vale, seu pedido não é atendido, e a informação se torna pública. No entanto, neste caso, a pessoa não fica pior com o chantagista do que ficaria com o fofoqueiro inveterado. [12]

A chantagem só seria ilegítima no caso de uma quebra de contrato. Se houver um acordo de silêncio, o chantagista não pode chantagear, como seria o caso de um advogado chantageando o seu cliente. [13] Fora isso, não há nada mais legítimo. Block ainda mostra argumentos utilitaristas sobre a chantagem mostrando que ela pode ajudar a conter crimes e que de certa forma tem ajudado na garantia da liberdade de diversos grupos.

Forçar membros individuais de um grupo socialmente oprimido a assumirem abertamente sua condição ou ‘saírem de seus cuidados’ não pode, é claro, ser considerado um serviço. O uso da força é uma violação dos direitos dos indivíduos. Ainda assim, gera uma consciência, da parte de membros de um grupo, da existência uns dos outros. 

Ao forçar essa percepção, a chantagem pode, legitimamente, ter uma pequena fatia de crédito em liberar pessoas cujo único crime é um desvio da norma, num caminho não criminoso. [14]
O tópico mais controverso da obra é certamente o que defende a calúnia e a difamação. Block foi enfático:
Um homem não possui sua reputação, da mesma forma como não possui os pensamentos dos outros – porque isso é tudo do que consiste sua reputação. A reputação de um homem não lhe pode ser roubada, da mesma forma como não lhe podem ser roubados os pensamentos de outras pessoas. Se sua reputação ‘lhe foi tirada’ de um modo ou de outro, pela verdade ou pela falsidade, antes de tudo, ele não a possuía e, portanto, não deveria poder recorrer à lei por danos.

O que, então, estamos fazendo, quando objetamos ou proibimos a difamação? Estamos proibindo alguém de afetar ou tentar afetar os pensamentos de outras pessoas. Mas o que significa o direito de livre expressão, senão que somos livres para tentar afetar os pensamentos dos que nos rodeiam? Então, temos de concluir que a difamação e a calúnia são consistentes com o direito de livre expressão. [15]

Se Block tivesse escrito seu Defendendo o Indefensável no século XXI, certamente abordaria problemas desse tipo envolvendo a internet: como a viralização de conteúdo íntimo de alguém. Não é crime, uma vez que outra pessoa viu, compartilhar, guardar ou hospedar esse tipo de arquivo. O problema é quem teve acesso a esse tipo de conteúdo e como teve. Pois pode implicar dois tipos de crime: violação de propriedade e/ou quebra de contrato. Se alguém usa esse tipo de conteúdo para difamar alguém, o problema não será a difamação, mas o uso de um conteúdo que só pode ser obtido de maneira invasiva. Ou seja, isso é exercício de uma prática criminosa, não de liberdade de expressão. 

Voltemos então a Rothbard, que complementa Block ao afirmar que não existe o direito à privacidade, mas sim à propriedade. [16] Porém, o possuidor de qualquer conteúdo obtido de maneira não invasiva tem o seu direito de disseminá-lo ou não, sendo ele falso ou não. [17]

Outra importante defesa de Block é ao publicitário. Block argumenta que nenhum publicitário obriga os clientes a consumirem os seus produtos e serviços e que obviamente o publicitário estatal é, a fortiori, muito mais nocivo. [18] 

Block apenas mostrou algo que é óbvio para quem é libertário, mas que é incompreensível para muita gente. Block também mostrou a importância econômica do publicitário dentro de sua visão austríaca. Afinal, quem decide se o trabalho do publicitário é produtivo ou não é quem paga. Fora a importância da publicidade sobre a livre concorrência. 

Caso o trabalho dos publicitários fosse proibido, as empresas mais bem-sucedidas se sustentariam, já que a concorrência não conseguiria se expandir sem a divulgação dos seus produtos.

Podemos gritar “Fogo!” num cinema lotado?
A resposta honesta para essa questão é “Depende do proprietário”. Porém, um proprietário que permita tal atitude perderá clientes que dificilmente encontrará espaço no mercado. Não importa se é cinema, teatro, casa de shows, salão de festas e afins. Ninguém vai em eventos assim esperando ser atrapalhado por alguém que quer induzir o pânico. 

Rothbard mostrou em A Ética da Liberdade ao citar Irving Dillard:
Aquele aforismo sobre o gritar “fogo!” em um teatro lotado é maravilhoso.   Mas você não precisa gritar “fogo!” para ser detido.   Se uma pessoa cria uma confusão em um teatro, eles iriam detê-la não por aquilo que ela tenha gritado, mas por ela ter gritado.  

Eles iriam detê-la não por quaisquer opiniões que ela tenha, mas porque eles acharam que ela não tinha nenhuma opinião que eles queriam ouvir ali.   Esta é a maneira que eu iria reagir: não por aquilo que ela tenha gritado, mas por ela ter gritado. [19]
Block vai um pouco mais longe. Ele menciona a possibilidade de existir uma demanda para aqueles que gostariam de ver as pessoas em pânicos ou de pessoas que querem se espremer na saída de um possível cinema que tenha esse tipo de serviço. [20] 

O fato é que o estado não tem o direito de proibir ninguém de se expressar seja de qual forma for. Como o próprio Block disse, apenas o estabelecimento por meio de contratos pode proibir alguém de gritar qualquer coisa dentro dele.

 O caso Charles Manson: ele exerceu a liberdade de expressão?
O caso Charles Manson aqui serve apenas para lembrar uma coisa: a liberdade de expressão não nos dá a liberdade de se comunicar da maneira que quisermos. Charles Manson liderou uma seita e foi mandante de diversos assassinatos, entre eles a morte de Sharon Tate, então grávida de oito meses. [21]

Charles Manson nunca encostou um único dedo em suas vítimas, porém o seu caso serve para mostrar que aqui não houve um exemplo de exercício de liberdade de expressão, mas sim o da prática de um crime. É o tipo “se eu não fizer, outro faz”.  Ou seja, o mandante transferiu a autoria do crime que ele ia praticar para outra pessoa o fazer, mas a partir do momento em que essa pessoa praticar o crime, o mandante será tão criminoso quanto o mandado. 

É subentendido dentro da doutrina libertária que não existem crimes sem vítimas, [22] mas nesse caso o mandado pode muito bem denunciar o mandante pela ameaça que ele representa ou boicotá-lo. [23] Nem todo tipo de comunicação é legítima, pois se a liberdade de expressão o validasse, nenhum burocrata ou estadista poderia ser considerado um criminoso.

Governo e a censura
O governo é, de longe, o maior violador do direito de propriedade privada e consequentemente da liberdade de expressão. Nenhuma outra instituição tem tanto mais poder para tal. Como citado anteriormente, a filósofa russo-americana Ayn Rand descreveu a censura como uma coerção exclusivamente governamental e também colocou o governo como o único agente capaz de impedir o indivíduo de exercer a liberdade de expressão:
A liberdade de expressão significa que um homem tem o direito de expor as suas ideias sem o perigo de supressão, interferência ou ação punitiva do governo. Não significa que os outros devam provê-lo com uma sala de palestras, uma estação de rádio ou uma impressora para expressar suas ideias. [24]

A censura tem apenas um objetivo: controle. O governo usa como justificativa a “manutenção da ordem” e não raro usa intelectuais para defendê-lo, principalmente os de esquerda. A verdade é que toda e qualquer revolução sempre começa com ideias. Mises deixa bem claro o temor que os governos mais totalitários têm disso:
O próprio fato de que existem governos intolerantes e partidos políticos que procuram colocar seus opositores fora da lei, ou mesmo exterminá-los, é uma prova manifesta do poder da razão. Isto não significa que uma doutrina esteja correta só porque os seus adversários recorrem à polícia e à violência das massas para combatê-la. Significa que aqueles que recorrem à violência estão, no seu subconsciente, convencidos da improcedência de suas próprias doutrinas. [25]

Os próprios governantes sabem que estão errados. E o argumento deles necessariamente só se sustenta pela força bruta. A censura será sempre o meio mais usado de demonstração de força bruta.

Porém, a censura nem sempre tem como justificativa a manutenção da ordem. Nos tempos atuais, em que o politicamente correto domina a mídia, é comum existir na legislação de muitos países leis que criminalizem o “discurso de ódio” ou “apologia ao crime” com o governo arbitrando o que é ódio e o que é crime. 

Não há problema algum no discurso de ódio ou apologia ao crime. Afinal, qual é o problema de se odiar alguém, algum grupo ou ideias? Apologia ao crime não pode se encaixar como prática de um crime. Principalmente quando quem determina o que é crime ou não é o governo.

Quando o governo determina o que é crime e o que não é, ao proibir a apologia ao crime, ele torna qualquer expressão ou debate impossível. Desse modo torna legítima qualquer violação de propriedade, que ocorrerá de maneira praticamente arbitrária. 

Um artista, por exemplo, poderia ficar impedido de cantar músicas defendendo o consumo de drogas ou até mesmo ficaria proibido na mídia qualquer tipo de debate sobre a descriminalização de algo, uma vez que necessariamente um lado terá de fazer “apologia ao crime”.

Do mesmo modo, é ilegítimo o governo também proibir qualquer expressão dentro da propriedade privada de outras pessoas mesmo que seja para protegê-la. Como Walter Block expôs, o governo não deve ter o direito nem de sequer proibir alguém de gritar “Fogo!” num cinema lotado. Isso caberia apenas ao dono do estabelecimento. [26]

 Mentira nobre, sigilo governamental e segredo de estado
Edward Snowden e Julian Assange, de uma forma ou de outra, entraram para a história. Eles são acusados de diversos crimes, como aliança com governos ditatoriais, ligações com grupos terroristas ou até mesmo estupro, como no caso do Assange. [27] 
Porém, não é bem esse o “crime” pelo qual são mais condenados, mas sim pelo fato de terem revelado segredos do governo. O governo tem o direito de manter sigilo sobre suas ações? Tem a obrigação de mostrar o que faz com o nosso dinheiro?

O governo em si não tem absolutamente nenhuma legitimidade. Revelar segredos do governo equivale a expor com o que o ladrão gastou o nosso dinheiro. No mercado todos nós sabemos onde gastamos o nosso dinheiro quando a troca é feita voluntariamente; se o governo nos rouba, temos o direito, mesmo que seja na base da força, de saber o que está sendo feito com o nosso dinheiro. Nada mais justo que expor segredos e as “mentiras nobres”. [28]

Podem até acusar Snowden e Assange do que quiserem, mas, ao terem revelado os segredos e as mentiras do governo americano, podemos afirmar com segurança que eles deram uma contribuição e tanto à liberdade . Ela é simplesmente inegociável, e nenhum, absolutamente nenhum criminoso possui segredos importantes demais que não possam ser revelados. O governo é um criminoso.

A liberdade de expressão, economia e o mercado
A liberdade de expressão só pode ser garantida de uma maneira: com total respeito à propriedade privada. E esse respeito também garante a todos um mercado livre e próspero.

Garantir a nossa liberdade de expressão não significa que outros sejam obrigados a contribuir compulsoriamente para que tenhamos recursos para nos expressar. O governo, portanto, não pode de maneira alguma nos garantir a liberdade de expressão. Ao dizer que visará garantir tal direito, ele estará mentindo. 

Nenhum governo pode garantir isso porque eles necessariamente precisam violar o direito de propriedade privada para poderem se manter, o que escasseia recursos que podem ser necessários para o exercício da liberdade de expressão. Quando pedem, por exemplo, a regulação da mídia para garantir a liberdade do “povo”, há na realidade a violação do direito de propriedade dos donos dos veículos de mídia, que serão obrigados a garantirem espaços para outros.

Num ambiente de livre mercado, veículos de mídia poderiam surgir com mais facilidade, e outros meios, como a internet, teriam mais espaços para se expressar. A internet inclusive é a ferramenta que mais preocupa o governo. 

A prova disso são as medidas governamentais para regulá-la. [29] A internet tem dado espaço para um novo tipo de mercado e diversas empresas têm facilitado a vida de milhões de pessoas. A garantia da liberdade pode ser encarada também como a garantia de um livre mercado.

Jornais, revistas, estações de rádio, emissoras de TV, salas de palestras, casas de show, cinema, música, sites de internet, etc., tudo isso serve para de alguma maneira haver expressões, e todos esses recursos, sendo escassos, podem somente ser obtidos no mercado. O governo, ao regular a liberdade, acaba também reduzindo a oferta no mercado e encarece esses meios no mercado, uma vez que o volume da oferta de bens e serviços tende sempre a valer o equivalente à base monetária existente, [30] havendo assim prejuízo a toda a sociedade.

Portanto, o exercício da liberdade é sim um exercício também de livre mercado. Principalmente, por estar intrínseco ao direito de propriedade privada.

 Conclusões sobre a liberdade de expressão
Primeira coisa a ser entendida é que existe uma confusão da liberdade de expressão com o direito à propriedade. 

A liberdade de expressão é um dos mais importantes exercícios de liberdade que existem, porém, ela só pode ser livremente exercida dentro da propriedade de quem a exerce ou na de quem permite voluntariamente o exercício. Como Rothbard deixou bem claro: o direito à liberdade não existe. O que existe é o direito à propriedade.
O maior problema é quando a propriedade é violada quando impedem-no de exercer a liberdade dentro de sua propriedade ou na de quem permite ou quando obrigam o proprietário a permitir que outros exerçam essa liberdade dentro da sua propriedade. 

Em ambos os casos há violação. A liberdade de expressão é inegavelmente linda, mas nada é mais lindo do que a liberdade como um todo. Para garantir essa liberdade deve-se garantir o direito à propriedade.

Para garantir o direito de propriedade necessariamente deve-se acabar com qualquer aparato de coerção. O estado é o único aparato de coerção que viola o direito em larga escala sob a proteção legal. 

Pessoas e grupos fora da lei que violam propriedades sempre existirão, mas é apenas o estado que faz isso legalmente, em larga escala e com o pretexto de que é pelo nosso bem. 
O estado impedir alguém de publicar um livro é uma ação nefasta não necessariamente pelo fato de impedir a publicação do livro, mas por impedir a pessoa de utilizar voluntariamente os recursos que permitiriam a publicação do livro.

É conclusivo portanto que quem defende a liberdade de expressão tem que também defender o absoluto direito à propriedade privada e necessariamente tem que se opor à existência do estado, por violar a propriedade legalmente. Qualquer limitação à liberdade sempre implicará violação do direito à propriedade, direito que deve ser defendido sem nenhuma ressalva.

Notas:
[1] Do original:
“If liberty means anything at all it means the right to tell people what they do not want to hear.”
George Orwell, Peter Davison, Peter Hobley Davison e Timothy Garton Ash; Orwell and Politics: Animal Farm in the Context of Essays, Reviews and Letters Selected from the Complete Works of George Orwell (Penguin, 2001), p. 314

[2] Murray N. Rothbard; Governo e Mercado (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2012), p. 251.

[3] Murray N. Rothbard; A Ética da Liberdade (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), p. 178.

[4] Ayn Rand; A Virtude do Egoísmo (Porto Alegre: Ortiz, 1991), p. 126

[5] Ron Paul na verdade não estava necessariamente defendendo a liberdade de expressão. Ele aproveitou a carona enquanto argumentava a favor da liberação das drogas durante o debate presidencial nas eleições de 2008 na Carolina do Sul organizado pela Fox. http://youtu.be/F25Na-jiVek

[6] Ver nota 1.

[7] Pullman respondeu isso quando jornalistas perguntaram a ele se ele não considerou o livro ofensivo aos cristãos. http://youtu.be/FFp_5n3uRYo

[8] A explicação aqui é puramente moral. Na realidade, em uma sociedade libertária, qualquer justificativa é legítima o suficiente para uma pessoa expulsar alguém de sua propriedade.

[9] Ver as notas 2 e 3.

[10] Robert Nozick; Anarquia, Estado e Utopia (São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011), p. 108

[11] Walter Block; Defendendo o Indefensável (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), p. 63

[12] lbid.

[13] lbid., pp. 63-64

[14] lbid., p. 65

[15] lbid., p. 68

[16] Rothbard, p. 188

[17] Rothbard, pp. 188-189

[18] Block, pp. 73-81

[19] Rothbard, p. 177

[20] Block, pp. 83-85

[21] Arquivo da FBI sobre o caso. http://migre.me/oFvqJ

[22] Murray N. Rothbard; Por Uma Nova Liberdade: O Manifesto Libertário (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2012), p. 37

[23] Murray N. Rothbard, A Ética da Liberdade (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), p. 199-200

[24] Ayn Rand; A Virtude do Egoísmo (Porto Alegre: Ortiz, 1991), p. 124 e ver 4.

[25] Ludwig von Mises; Ação Humana (São Paulo, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), p. 123

[26] Block, p. 83-85

[27] http://www.aklagare.se/In-English/Media/The-Assange-Matter/The-Assange-Matter/

[28] Ron Paul; Definindo a Liberdade (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013), pp. 169-172

[29] A maior prova disso é o caso da lei nº 12.965 de 12 de abril de 2014, o Marco Civil da Internet no Brasil, que impede a concorrência de provedores com o programa de neutralidade de rede. Para ler mais, basta acessar ao link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm

[30] Murray N. Rothbard; O que o governo fez com o nosso dinheiro? (São Paulo, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013), p. 25

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