É comum ouvirmos políticos e autoridades diversas dizerem que por não desejarem viver num "velho oeste", limitam a concessão de portes de armas e apoiam outras medidas restritivas a posse e uso de armas.
Este tipo de afirmação, além de revelar a ignorância existente em relação a história brasileira contemporânea, mostra o poder de persuasão do cinema e da televisão. Hollywood nos vende uma imagem do "Oeste Selvagem" que interessa à ambientação de seus filmes e sob medida para a atuação de seus heróis. Mas terá sido esta a realidade da época e do local?
O sociólogo David Kopel teve a idéia de pesquisar teses de historiadores em busca da realidade do oeste norte-americano da segunda metade do século XIX (ver a bibliografia ao final deste artigo). O quadro que se depreende dessas leituras é bem diferente daquele que aparece nos filmes de bangue-bangue. Ao contrário do que sugere a indústria cinematográfica, a vida no "Oeste Selvagem" era bem mais segura do que nas grandes cidades americanas de hoje (que dirá em relação a Rio e São Paulo).
No livro Gunfighters, Highwaymen & Vigilantes, o historiador Roger Mc Grath estudou as cidades mineiras de Aurora e Bodie em Serra Nevada. Estas cidades tinham um grande potencial para a violência. Sua população era constituída, principalmente, por homens jovens, vindos de toda a parte, sem raízes na cidade e pouco afeitos a convenções sociais. Havia um "saloon" para cada vinte e cinco homens; bordéis e cassinos também eram bastante comuns. A lei era extremamente ineficiente e, algumas vezes, o próprio xerife era líder de uma quadrilha.
Praticamente todo mundo andava armado. O pessoal de Aurora tinha preferência pelo revólver Colt Navy em calibre .36, enquanto em Bodie a arma mais usada era o Colt Lightining (versão de ação dupla do Colt Peacemaker).
É evidente que com essas condições a taxa de homicídios em Aurora e Bodie era elevadíssima. Os homens que se apinhavam nos "saloons" matavam-se uns aos outros numa proporção absurda. A união de armas de fogo com jogo, mulheres e bebidas alcóolicas tornava qualquer discussão uma tragédia.
Mas os demais crimes em Aurora e Bodie eram praticamente inexistentes. A taxa de roubos per capita era apenas 7% da moderna Nova Iorque. Ainda comparando com esta cidade, a taxa de arrombamentos e invasões de domicílios era 1% da atual. E os estupros? Bem, excetuando-se as prostitutas, para as demais mulheres esta taxa era quase zero.
Mc Grath descobriu que os velhos, os fracos e as mulheres, raramente eram alvos da violência. Um residente de Bodie escreveu, certa vez, que não se lembrava de nenhum caso em que uma mulher respeitável da cidade tenha sido molestada ou insultada por algum dos dissolutos que infestavam o local. Em parte isso se devia ao respeito que os depravados têm pela decência; em parte pela noção de que a morte súbita poderia acompanhar outra forma de comportamento.
Para os cidadãos pacatos e ordeiros, Aurora e Bodie eram cidades muito mais tranqüilas que qualquer das grandes cidades de hoje onde é proibido andar armado.
As condições de Aurora e Bodie repetiam-se por todas as cidades do "Velho Oeste". Um estudo sobre as cinco maiores cidades entrepostos de gado do Oeste e com fama de violentas - Abilene, Ellsworth, Wichita, Dodge City e Caldwell - revelou que, todas juntas, apresentavam menos de dois homicídios criminosos por ano (latrocínio, vingança, homicídio passional, etc.).
Durante a década de 1870, a cidade de Lincoln County, no Novo México, vivia em estado de anarquia total. A taxa de homicídios era astronômica mas, tal como em Bodie e Aurora, praticamente confinada a homens bêbados batendo-se por sua "honra". Os tipos de crimes que estamos acostumados a ver nas grandes cidades modernas, tal como roubos, assaltos, sequestros, arrombamentos e estupros, praticamente não existiam.
Um outro estudo sobre a fronteira do Texas, entre 1875 e 1890, descobriu que não haviam arrombamentos e roubos em residências. Os ladrões preferiam assaltar bancos, trens e diligências. As pessoas dormiam de janelas abertas e portas destrancadas. A taxa de homicídios era alta mas, também nesta região, limitada a homens envolvidos em "duelos justos" nos quais se engajavam voluntariamente.
Em suma, o historiador W. Eugene Hollon, descobriu que "...a fronteira do Oeste era muita mais civilizada, pacífica e segura que a sociedade americana de hoje". Frank Prassel, outro historiador da universidade de Oklahoma, concluiu que "...esta fronteira não deixou maiores seqüelas em termos de agressões contra as pessoas do que o restante do país."
Estes estudos sérios nos mostram dois pontos importantes: Primeiro - Os dissolutos e devassos matavam-se mutuamente tanto ontem quanto hoje. A maioria dos homicídios cometidos em nossas cidades ainda se dá entre traficantes de tóxicos, proxenetas, bicheiros (bookmakers) etc. Segundo - Os cidadãos honestos das cidades do "Oeste Selvagem" não eram molestados pelos desordeiros simplesmente porque viviam armados. Nas grandes cidades modernas, onde não há este fator inibidor, os cidadãos são pilhados pelos marginais que não correm mais o risco de levar um tiro.
Criminosos são como animais predadores: preferem as vítimas fracas, desgarradas, velhas ou doentes. Quando os predadores humanos sabem que suas vítimas em potencial estão armadas, o crime simplesmente não acontece. É por isso que toda política anti-armas é inócua em relação a criminalidade e a violência. Estas leis só servem para restringir o acesso dos cidadãos ordeiros às armas e agem como incentivo aos marginais.
Outra virtude das sociedades armadas é a participação ativa da comunidade na defesa de seus bens e valores: Reportando-nos ao "velho oeste", quem acabou com a quadrilha de Jesse James não foi a polícia, mas sim os cidadãos de Northfield, Minnesota, que enfrentaram o ataque do bando com coragem. Neste dia morreram os bandidos Bill Chadwell, All Miller e Charlie Pitts. Os três irmãos Younger (Cole, Bob e Jim) foram feridos e capturados, enquanto Frank e Jesse James conseguiam fugir apesar de feridos.
Outra famosa quadrilha do "Oeste Selvagem" foi a dos Daltons. Esta quadrilha era tão ousada que resolveu inovar assaltando dois bancos ao mesmo tempo em Coffeyville, Kansas (05/10/1892). Os cidadãos da cidade, ao perceberem o que estava acontecendo, cercaram o bando e, após intenso tiroteio, estavam mortos os irmãos Bob e Gratton Dalton e mais dois comparsas. O irmão Emmett Dalton conseguiu sobreviver aos ferimentos e cumpriu pena na prisão até 1907.
Deixando agora os Estados Unidos e vindo para a terrinha, encontramos, também, alguns exemplos de participação ativa da sociedade em defesa própria. Em junho de 1927, Lampião e seu bando (cerca de sessenta cangaceiros) decidiram atacar a cidade de Mossoró (RN).
Até então, como convém a um predador, o bandido limitara-se a atacar fazendas isoladas, entrepostos e pequenos vilarejos. Mas o sucesso subiu-lhe à cabeça e, estimulado por alguns bajuladores, resolveu encarar uma empreitada maior. A cidade, sabendo da vinda do cangaceiro, armou-se até os dentes. Naquela época não havia registro de armas, nem calibres proibidos, nem nada que impedisse os cidadãos de se armarem. Às quatro horas da tarde do dia 13, debaixo de chuva fina e ao som de uma corneta (Lampião gostava de fazer as coisas com classe), o bando invadiu Mossoró. Foram recebidos como convém: a bala! Após uma hora e meia de tiroteio e a perda de cinco ou seis homens, entre os quais o famoso cangaceiro Jararaca, Lampião bateu em retirada e, dizem os relatos, só parou de correr quando chegou ao Ceará.
Pensando bem, o título deste artigo deveria ser "Saudades de Mossoró!".
L.A.
placa que homenageia os heróis de Mossoró.
BIBLIOGRAFIA
Roger D. Mc Grath - Gunfithers, Highwaymen and Vigilantes: Violence on the frontier. (Berkeley, University of California Press,1984).
Robert A. Dyskra - The Cattle Towns: A Social History of the Kansas Cattle Trading Centers (New York, Alfred A. Knopt,1968).
Robert M. Utley - High Noon in Lincoln: Violence on the Western Frontier (Albuquerque: University of New Mexico Press,1987).
William C. Holden - Law and Lawlessness on the Texas Frontier 1875-1890 (Southwestern Historical Quarterly, Vol. 44 - October 1940).
W. Eugene Hollon - Frontier Violence: Another Look (New York, Oxford University Press,1974).
Frank Richard Pranel - The Western Peace Offices: A Legacy of Law and Order (Norman, University of Oklahoma Press,1972).
Billy Jaymes Chandler - Lampião o Rei dos Cangaceiros (Coleção Estudos Brasileiros, volume 46. Editora Paz e Terra, 1981).
Baseado nos artigos: Armed Society Really was Polite Society, por Dave Kopel; e Jesse and the Boys: Men and Myth, por Monte Dum; ambos publicados na revista BLUE PRESS editada pela Dillon Precision de Scottsdale, Arizona - EUA.
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