Entrevista com Hans-Hermann Hoppe
Hans-Hermann
Hoppe no lançamento de seu novo livro, Der Wettbewerb der Gauner ("A
Competição dos Escroques"). 2012 Para promover seu livro, Hoppe concordou em
ser entrevistado por Andreas Marquat, do site alemão mises.info.
A entrevista foi conduzida por troca de e-mails.
Senhor
Hoppe, o senhor escreveu em seu novo livro, Der Wettbewerb der Gauner ("A
Competição dos Escroques"), que "Não precisamos de um superestado europeu,
que é o que a União Europeia está querendo estabelecer... mas sim de uma Europa
e de um mundo formado por centenas, até mesmo milhares, de pequenas
Liechtensteins e Cingapuras." Tal arranjo não parece muito factível
no momento — muito pelo contrário, aliás. Será que as coisas terão de
piorar ainda mais — política e economicamente — para que só então possam
melhorar?
Infelizmente,
receio que sim. Antes de chegarmos a este arranjo que defendo,
provavelmente vivenciaremos várias quebradeiras nacionais, começando por
Portugal, Espanha, Itália e, no final, a Alemanha. Somente então, receio
eu, tornar-se-á óbvio para todos aquilo de que muitos já sabem hoje: que a
União Europeia nada mais é do que uma enorme máquina de redistribuição de renda
e riqueza, da Alemanha e da Holanda para Grécia, Espanha, Portugal e
outros.
Mas isso
não é tudo. Também ficará claro que a mesma insanidade, a mesma bagunça,
também existe dentro de cada país: na Alemanha, por exemplo, há redistribuição
de renda e riqueza da Bavaria e de Baden-Württemberg para Bremen e Berlim, da
Pequena Cidade A para o Pequeno Vilarejo B, de uma empresa para outra, de uma
indústria para outra, de João para José e por aí vai. E sempre seguindo o
mesmo e perverso padrão: redistribuição dos países, regiões, locais, empresas e
indivíduos mais produtivos para aqueles menos produtivos ou nada
produtivos. A quebradeira trará toda esta realidade à luz de uma maneira
bastante dramática.
E talvez,
só então, as pessoas irão finalmente entender que a democracia — em nome da
qual todas estas safadezas e trapaças são feitas — nada mais é do que uma forma
especialmente insidiosa de comunismo, e que os políticos que criaram esta
demência moral e econômica, e que enriqueceram enormemente neste processo (mas
nunca, é claro, sendo responsáveis por nenhum dos estragos que causaram), nada
mais são do que um desprezível bando de comunistas escroques.
Em seu
livro Bureaucracy, Ludwig von Mises afirma: "A democracia
representativa será insustentável caso uma grande parte do eleitorado esteja na
folha de pagamento do governo". O senhor também repete este
argumento quase 70 anos depois. Quando é que as constatações de Mises
irão finalmente render frutos?
Vou ainda
mais longe do que Mises em minhas constatações. Afirmo — e já tentei
fornecer evidências disto de várias maneiras diferentes em meus escritos — que
é a democracia a responsável pelas fatídicas condições que nos afligem hoje.
O número de pessoas produtivas está em constante declínio, e o número de
pessoas parasiticamente consumindo a renda e a riqueza deste declinante número
de pessoas produtivas está aumentando constantemente. Isso é algo que não
pode se prolongar por muito tempo. É economicamente insustentável.
O fato de
todo o castelo de cartas da democracia ainda não ter desabado completamente é
uma enorme prova do tremendo poder criativo do capitalismo, mesmo em meio aos
crescentes obstáculos e estrangulamentos criados pelo governo. E este
fato também nos leva a imaginar todos os 'milagres' econômicos que seriam
possíveis caso tivéssemos um capitalismo livre e desimpedido, um capitalismo
não obstruído e asfixiado por todo este parasitismo, um capitalismo
completamente desregulamentado e desburocratizado.
Se esta
constatação vai finalmente gerar frutos é algo que irá depender da consciência
de classe da população. Há um mito marxista, gostosamente promovido pelo
estado, de que existe um irreconciliável conflito de interesses entre
empregadores (capitalistas) e empregados (trabalhadores), ou entre ricos e pobres.
Enquanto este mito perdurar na opinião pública, não haverá absolutamente
nenhuma mudança, e o desastre será inevitável.
Uma
mudança fundamental só será possível se, em vez desta mentalidade, a correta
compreensão das coisas se tornar algo amplamente aceito entre a
população. E qual é a correta compreensão? Entender que o único
conflito de interesses que existe na sociedade é aquele entre os pagadores de
impostos — ou seja, os explorados — e os recebedores de impostos — ou seja, os
exploradores. Em outras palavras, entre, de um lado, a classe de pessoas
que obtém sua renda e seus ativos produzindo algo que é comprado
voluntariamente e valorado apropriadamente pelos consumidores; e, de outro, a
classe formada por aqueles que não produzem nada de valor, mas que vivem e
enriquecem à custa da renda e dos ativos das pessoas produtivas, os quais são
violentamente confiscados via tributação — o que significa dizer que todos os
funcionários públicos e todos os beneficiários de "programas sociais",
subsídios, privilégios monopolistas pertencem a esta última classe.
Somente
quando a classe produtora reconhecer claramente este estado de coisas e
publicamente se manifestar; somente quando os produtores finalmente estiverem
confiantes de que possuem a autoridade moral e finalmente rejeitarem as
insolentes admoestações da classe política como sendo desaforos morais e
econômicos, e rispidamente expuserem e denunciarem a classe política como
aquilo que realmente são — uma gangue de parasitas —, será então possível repelir
e, em última instância, eliminar estes parasitas.
O senhor
indiretamente critica as pessoas por "se preocuparem somente com suas
rotinas diárias" e por "não pensarem em questões
filosóficas". Não estaria o senhor exigindo muito? Em uma
situação econômica que apresenta contínua deterioração, principalmente no
aspecto monetário, não estariam as pessoas ocupadas demais tentando sobreviver
e se sustentar, não tendo tempo portanto para se dedicar à filosofia?
Minha
declaração não foi feita com a intenção de ser uma crítica específica ao
cidadão comum; ela foi apenas a simples afirmação de um fato
incontestável. Acho que é completamente normal o fato de que a maioria
das pessoas jamais se preocupe com questões filosóficas. São poucas as
pessoas que realmente se interessam por tais problemas, e são ainda menos as
pessoas que possuem a capacidade intelectual para de fato esclarecer ou mesmo
solucionar estes problemas.
Meus
comentários, ao contrário, foram feitos com a intenção de sistematicamente
estimular o cidadão comum. Para dizer a ele — e isto vindo de um
intelectual, "alguém de dentro", por assim dizer — que seu
preconceito contra intelectuais — que, via de regra, são pessoas enfatuadas,
inúteis e arrogantes — está totalmente correto. Que existe uma quantidade
excessiva de intelectuais apenas porque o estado os paga e os subsidia via
impostos extraídos do resto de nós. E isso deturpa e distorce o objetivo
e o resultado de suas ideias — direcionando-as para a defesa do
estatismo. Que é ele, o cidadão comum, quem paga por todo este
dispendioso e inútil besteirol produzido pela classe intelectual, e que ele,
portanto, tem todos os motivos do mundo para gritar, protestar e se sentir
indignado.
A tese do
seu livro é que o governo é o monopolista supremo da aplicação da lei e da
justiça, e que todo e qualquer monopólio é e sempre será ruim do ponto de vista
do consumidor — neste caso, o cidadão. Sua solução alternativa é uma
sociedade baseada em leis privadas. Como um "leigo" pode entender
o que tudo isto acarreta?
A ideia
básica é bem simples: abolir os monopólios e estimular a concorrência.
Atualmente,
o que ocorre é que, na eventualidade de um conflito entre um cidadão e o
estado, será sempre o estado (ou um juiz que é empregado do estado) quem irá
decidir quem está certo. Se o estado decidir, por exemplo, que eu tenho
de pagar a ele mais impostos e que eu não posso permitir que pessoas fumem no
restaurante do qual sou o dono, e se eu não concordar com nenhuma destas
decisões, o que posso fazer a respeito? Posso apenas recorrer a um
tribunal estatal, cujos juízes — muito bem remunerados com o dinheiro coletado
pelo estado via impostos — são pagos para impingir as regulamentações do
governo.
E o que estes juízes, como toda a probabilidade, irão decidir?
Que tudo isto é legal, obviamente!
Desta
maneira, todos os tipos de roubo, agressão, assassinatos e guerras cometidos
pelo estado são "legalmente" sancionados. Tente julgar e
processar algum político para ver se terá sucesso. Peça para um americano
levar os senhores Bush e Obama — e um alemão levar a senhora Angela Merkel —
para os tribunais sob a acusação de homicídio em massa no Iraque e no
Afeganistão. Tal processo jamais seria aceito pelos tribunais; e, mesmo
que fosse, a decisão final já estaria clara desde o início: absolvição!
Em uma sociedade de leis privadas, ao contrário,
se tivéssemos tal conflito iríamos recorrer a arbitradores independentes,
arbitradores que estão no livre mercado concorrendo com outros arbitradores por
consumidores voluntários de seus serviços. Não utilizaríamos um juiz
inerentemente enviesado em prol do estado, já que é pago diretamente por este,
e que por isso é partidário de um dos lados do julgamento; recorreríamos a uma
entidade neutra para adjudicar os conflitos judiciais normais que surgem
envolvendo direitos de propriedade existentes e reconhecidos e leis de
contratos privados. Esta entidade, por estar operando no livre mercado,
terá todo o interesse em adquirir e manter a reputação de ser uma julgadora neutra
e imparcial. Caso não proceda
desta maneira, será expulsa do mercado de mediação pela total falta de
clientes.
O
julgamento, neste caso, será previsível e óbvio: minha renda obtida por meio do
meu trabalho é minha propriedade (e não do estado), assim como o restaurante
também é minha propriedade (e não do estado). Portanto, qualquer tributo
imposto pelo estado sobre mim ou qualquer restrição ao uso da minha propriedade
(como proibições ao fumo) seriam julgadas como ilícitas, como roubo e
expropriação. Adicionalmente, é claro, Bush, Obama, Merkel (e vários
outros) seriam declarados culpados por homicídio em massa (além de vários
outros crimes).
É
precisamente por isso que existe um monopólio judicial do estado.
Porque, sob um sistema jurídico concorrencial e não monopolista, seria
imediatamente evidente que, nas palavras de Santo Agostinho, o estado nada mais
é do que um "grande bando de ladrões", uma máfia — só que muito
maior, mais opressiva e mais perigosa.
O estado
teria alguma responsabilidade neste seu modelo?
Indiretamente,
esta pergunta já foi respondia. Quais tarefas você gostaria de entregar a
um bando de ladrões? Todos eles deveriam renunciar! E deveriam
devolver toda a propriedade que roubaram — toda a chamada propriedade pública —
para seus donos de direito. Ou seja, os pagadores de impostos deveriam
ser reembolsados de acordo com a quantidade de impostos que pagaram.
O
problema é que estes bandidos jamais pensaram em renunciar. E eles também
jamais pensaram em restituir suas vítimas: o enorme número de pessoas roubadas,
despojadas e assassinadas por eles. Nada.
E tal
estado de coisas não irá mudar — a menos que a opinião pública gere uma enorme
pressão. O que nos leva de volta ao assunto da consciência de
classe. Nossa única esperança para que esta desejada renúncia e
restituição ocorra é que as vítimas (bem como um crescente número de inocentes
e inofensivos colaboradores do estado) reconheçam o estado como aquilo que
realmente é: um bando de ladrões, e os tratem correspondentemente.
Ladrões
que são reconhecidos e tratados como tal não podem durar para sempre.
Para
concluir, falemos sobre dinheiro — dinheiro imposto pelo estado, para ser mais
preciso —, o meio de troca que as pessoas estão permanentemente sendo obrigadas
a utilizar. Até mesmo o cidadão comum mais alienado já percebeu que há
algo de errado com o sistema. Por favor, explique para ele por que — e
aqui eu cito uma frase sua — "não há absolutamente nenhuma razão, sob
nenhuma circunstância, para que o estado tenha qualquer tipo de envolvimento
com a produção de dinheiro".
Porque o
estado é um monopólio e monopólios sempre serão, em qualquer
circunstância, nocivos para o consumidor (ao passo que, inversamente, eles são
sempre ótimos para o monopolista). Tal raciocínio também se aplica ao
dinheiro e ao monopólio governamental do dinheiro.
Somente
um banco central aprovado pelo estado pode produzir dinheiro, e tal produção de
dinheiro será correspondentemente ruim. Em vez de termos ouro e
prata, como no passado, temos hoje nada mais do que pedaços de papel circulando
o mundo (dólares, euros, ienes etc.). Tal arranjo é ótimo para o
monopolista. Ele pode imprimir dinheiro de maneira efetivamente gratuita
e utilizá-lo para comprar bens como imóveis e carros. Uma varinha mágica
real. Quem não iria querer tal varinha?
No
entanto, para todo o resto da população, isso não é nada fantástico. Mais
dinheiro de papel não torna a sociedade mais rica. É tudo apenas somente
papel. Cada novo pedaço de papel impresso reduz o poder de compra de
todos os outros pedaços de papel que já existiam. E cada novo pedaço de
papel gera uma redistribuição da riqueza social. Os responsáveis
pela impressão do dinheiro se enriquecem e sua fatia confiscada de riqueza da
sociedade aumenta. Eles agora possuem casas e carros que antes não
possuíam. E, igualmente, esta impressão de dinheiro reduz a riqueza de
todos os outros cidadãos, que agora possuem correspondentemente menos casas e
carros do que poderiam possuir.
Estou
confiante de que o cidadão comum alienado é capaz de entender que estas
maquinações, que ocorrem diariamente em uma escala inimaginável, nada mais são
do que um gigantesco caso de roubo e fraude em ampla escala.
Porém, a
verdade é que não ouvimos absolutamente nenhuma palavra de condenação, nenhuma
exposição desta fraude, na mídia. Aqueles pretensiosos, ininteligíveis,
arrogantes e auto-proclamados 'especialistas' econômicos e financeiros na
televisão, no rádio e em todas as outras mídias não falam absolutamente nada a
respeito. Isto tem dois motivos: ou eles estão sendo pagos para
intencionalmente esconder ou encobrir fatos que eles sabem ser imorais, ou eles
foram tão estupidificados durante seu período universitário, que eles se
tornaram realmente incapazes de reconhecer até mesmo os mais simples fatos e
relações de causa e consequência.
O que
aconteceria se o monopólio do governo sobre o dinheiro fosse abolido e todos
nós estivéssemos livres para fazer cópias perfeitas do papel-moeda estatal (da
mesma maneira que qualquer indivíduo pode hoje criar cópias perfeitas de maçãs,
peras, grãos de trigo, pregos, casas, computadores etc.)? Eis o que
aconteceria: o papel-moeda seria imediatamente produzido em quantidades tão
grandes que o valor (poder de compra) de uma cédula iria despencar, de um dia
para o outro, até o valor físico do papel em que os números foram
impressos.
Com tais cédulas valendo apenas o papel no qual foram
impressas, elas seriam impróprias para ser utilizadas como um meio geral de
pagamento. O dinheiro de papel perderia sua função de dinheiro, e o
estado perderia repentinamente sua varinha mágica. (É exatamente por isso
que o estado é tão ciumento e zeloso de seu monopólio sobre a criação de
dinheiro, sendo que o "crime" de falsificação de dinheiro é um dos
mais eficientemente combatidos pelo estado).
Mas isso
não significa que o dinheiro não mais existiria. Ao contrário: em
um ambiente concorrencial, um dinheiro de melhor qualidade seria
produzido. Por quê? Porque sempre haverá uma demanda por meios
de troca.
Por que
as pessoas carregam dinheiro consigo? Por que elas não investem
absolutamente todos os seus ativos em bens de capital e em bens de
consumo? Por que elas sempre mantêm uma fatia de seus ativos na forma de
dinheiro (o qual não pode ser consumido e nem utilizado em
processos produtivos; pode apenas ser portado como meio de troca, com o intuito
de talvez ser trocado por algo mais tarde)? Resposta: porque há incerteza
em nosso mundo. Porque coisas acontecem, o que faz com que surjam as
necessidades humanas.
E nem reservas de bens de consumo ou de bens de
capital, tampouco apólices de seguro, podem nos deixar preparados para tais
necessidades, tampouco impedir que elas ocorram. A única maneira de se
estar preparado para tais imprevisíveis, porém continuamente recorrentes
surpresas, e as consequentes necessidades que elas acarretam, é acumulando uma
reserva de meios de troca. Uma reserva de bens que se distinguem de todos
os outros bens por sua excepcional liquidez e capacidade de ser imediatamente
aceito em trocas voluntárias. Bens que podem ser diretamente e
imediatamente trocados, a qualquer momento, pela mais vasta gama de bens de
consumo ou de capital. Em suma, bens que possuem uma excepcional
capacidade de serem comercializados em troca de qualquer coisa.
Do ponto
de vista histórico, estes bens sempre foram o ouro e a prata, pois estes metais
eram os que melhor cumpriam a função de meio de troca, a função de fornecer um
"seguro contra incertezas". Ouro e prata surgiram como os bens
que usufruíam a mais alta liquidez e capacidade de serem trocados por quaisquer
outros bens. Eles eram os bens mais facilmente vendáveis e mais
amplamente aceitos dentre todos.
E assim, portanto, o dinheiro
historicamente sempre foi o ouro e a prata.
Se o
monopólio estatal sobre o dinheiro algum dia desaparecer, a maior probabilidade
é que ouro e prata recuperem suas antigas funções de dinheiro (e o papel iria
simplesmente voltar a ter neste sistema monetário a mesma função que sempre
teve historicamente: servir como certificados, como títulos de propriedade,
sobre ouro e prata).
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