O vídeo capturado por Celso Arnaldo prova que a vaia deveria ter começado no primeiro segundo do palavrório em São Bernardo
Impedido
por compromissos profissionais de comentar a performance da presidente
em São Bernardo do Campo, o jornalista Celso Arnaldo Araújo compensou a
ausência temporária com a captura do vídeo que registra a primeira vaia
sofrida por Dilma Rousseff. Para alegria dos leitores da coluna, e
infelicidade dos editores do Blog do Planalto, não foram cortados os
últimos 16 segundos. É quase nada. Mas é o bastante para que se
contemple um perfeito final infeliz.
Nos 3min54 anteriores, à vontade no palanque, Dilma espanca a língua
portuguesa sem remorso e enfileira frases sem pé nem cabeça ─ ou sem
começo, sem fim ou sem meio ─ com a tranquilidade dos previamente
absolvidos pela própria ignorância. Começa por declarar-se muito feliz
por estar “inaugurano” uma Unidade de Pronto Atendimento na cidade onde
mora o padrinho, presente ao comício.
Um evento desse porte merece mais
que uma sigla, decide o neurônio solitário ─ que, depois da devastadora
escala na UPA, muda de marcha e de assunto:
“E aí, hoje, nós achamos que é normal o Samu. Mas teve uma época
que não tinha Samu. Hoje, se tem Samu, nós devemos àquela iniciativa
tomada pelo presidente Lula. Assim como as UPAs também faz parte daquele
momento”.
Se alguém na plateia não sabia direito o que é UPA ou Samu, continuará sem saber. Dilma tem outra pergunta a responder:
“E hoje, qual é a minha… o meu… eu diria assim: o meu legado?”.
Vai falar do legado que herdou ou do que pretende deixar? Jamais se
saberá, avisa a continuação da salada de palavras que gostam de andar
juntas:
“O meu legado é fazê avança esse processo. Por que? O Brasil tem
um dos serviços únicos de saúde muito diferenciados. Porque talvez nós
sejamos um país acima de 100 milhões de habitantes… um dos poucos países
em que o serviço de saúde tem de sê universal, tem de sê gratuito e tem
de sê de qualidade”.
Sem revelar os países que optaram por um sistema de saúde para
poucos, caro e de baixa qualidade, Dilma acelera em dilmês rústico:
“Agora eu queria falá pra vocês dum programa que eu assisti o
presidente Lula insistindo muito nele, que é o programa Brasil
Sorridente. Eu sô testemunha que o presidente Lula dizia o seguinte: as
pessoas, elas têm de tê autoestima. Tem uma parte que é a inclusão com
autoestima”.
Existe, então, a inclusão sem autoestima? Ela já está explicando como é a com autoestima:
“É uma pessoa sabê que ela é uma pessoa que tem todas as condições iguais às outras”.
Para tanto, enfim esclarece a doutora em nada, dente é fundamental.
“Uma das expressões da segregação e da marginalização do nosso
povo é o fato de termos uma parte de nossa população sem dentes. Eu
assisti muitas vezes o presidente Lula fazendo um discurso, vinha uma
pessoa, homem ou mulher, sem os dentes. Chamava o prefeito, ou o
governador, insistia para que houvesse… porque tinha, ainda tem, esse
programa que é o Brasil Sorridente”.
A câmera fica longe dos desdentados da plateia. Dilma lembra de mais uma sigla:
“É algo que foi uma grande inovação incluir o tratamento odontológico dentro do SUS.
Para que ninguém se confunda, a oradora aponta com a mão a própria
boca. É lá que ficam os dentes. E enfatiza o “incluir dentro” para
insinuar que, no tempo de FHC, o governo vivia incluindo fora. Nesse
momento, o neurônio solitário se lembra de que ainda não usou a
expressão favorita no que se refere a discursos:
“O SUS passa a ser universal no que se refere ao tratamento dentário”.
Subitamente, aos 3min54, alguém resolve estragar a festa. Ouve-se o
som de vozes insatisfeitas. A presidente está irritada com a
contemplação de algo que o vídeo não mostra. E então vem a brusca troca
de assunto:
“O pessoal pode se acalmá que as coisas irão pros seus lugares na hora certa. Pode tê certeza disso. Um abraço”.
A quem fora endereçado o recado da mulher que dá por encerrada a
cerimônia e cai fora do microfone com cara de quem vai dar um pito no
primeiro que cruzar seu caminho? Só então aparecem, por três segundos
tão escassos quanto intermináveis, as imagens de um grupo de
manifestantes sobraçando cartazes com inscrições sobre a greve das
universidades federais.
Dilma anda dizendo que não entende por que foi vaiada.
Quem assiste
ao vídeo não entende por que a vaia não começou no primeiro segundo.
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