O caminho mais curto para a destruição da democracia é fomentar o
banditismo por meio da cultura e tentar controlá-lo, em seguida, pelo
desarmamento civil. A esquerda nacional tem trilhado coerentemente essa
dupla via há pelo menos cinco décadas, e sempre soube perfeitamente
qual seria o resultado: o caos social, seguido de endurecimento do
regime se ela estiver no poder, de agitação insurrecional se estiver
fora dele.
Essa estratégia é antiga,
clássica, imutável, mas os pretextos com que se legitima conforme as
conveniências do momento têm sido variados o bastante para desnortear a
plateia, que se entrega a animadas e às vezes ferozes discussões sobre
os pretextos mesmos e nunca atina com a unidade do projeto por trás
deles. Às vezes, como acontece no Brasil, nem chega a perceber que entre
as duas vias simultâneas existe alguma relação.
Pessoas mentalmente covardes
vendem a mãe para não correr o risco de ser rotuladas de "teóricas da
conspiração". Rebaixam-se ao ponto de defender de unhas e dentes a
"teoria das puras coincidências", segundo a qual as ações acontecem sem
autores.
Imaginem então o medo que essa
gente tem de reconhecer algo que no resto do mundo já é obviedade
patente: que o comunismo não morreu em 1990, que está hoje mais forte
que nunca, sobretudo na América Latina. Treze anos atrás, quando
Jean-François Revel publicou seu último livro, La Grande Parade, ninguém
na Europa ou Estados Unidos o contestou quanto a esse ponto, que no
Brasil ainda é um segredo esotérico.
Há até quem negue que Dilma ou
Lula sejam comunistas, mas faz isso porque não sabe exatamente o que é
um comunista e, como em geral os liberais, imagina que é questão de
ideais e ideologias. Na verdade, um sujeito é comunista não porque creia
em tais ou quais coisas, mas porque ocupa um lugar numa organização que
age como parte ou herdeira da tradição revolucionária comunista, com
toda a pletora de variedades e contradições ideológicas aí contida.
A unidade do movimento comunista,
sobretudo desde Antonio Gramsci, da New Leftf americana e do
remanejamento dos partidos comunistas após a dissolução da URSS, é mais
de tipo estratégico do que ideológico.
Na verdade, esse movimento, cuja
extinção a queda da União Soviética parecia anunciar como iminente e
inevitável, conseguiu prosperar e crescer formidavelmente desde o começo
dos anos 90 só porque abdicou de toda autodefinição doutrinal homogênea
e aprimorou a técnica de articular numa unidade de ação estratégica as
mais variadas correntes e dissidências cuja convivência era impossível
até então. Convicções, portanto, sinceras ou fingidas, não têm aí a mais
mínima importância.
Para um sujeito falar com alguma propriedade sobre o movimento comunista, deve antes ter estudado as seguintes coisas:
(1) Os clássicos do marxismo: Marx, Engels, Lênin, Stálin, Mao Dzedong.
(2) Os filósofos marxistas mais importantes: Lukács, Korsch, Gramsci, Adorno, Horkheimer, Marcuse, Lefebvre, Althusser.
(3) Main Currents of Marxism, de Leszek Kolakowski.
(4) Alguns bons livros de
história e sociologia do movimento revolucionário em geral, como Fire in
the Minds of Men, de James H. Billington, The Pursuit of the Millenium,
de Norman Cohn, The New Science of Politics, de Eric Voegelin.
(5) Bons livros sobre a história dos regimes comunistas, escritos desde um ponto de vista não-apologético.
(6) Livros dos críticos mais
célebres do marxismo, como Eugen von Böhm-Bawerk, Ludwig von Mises,
Raymond Aron, Roger Scruton, Nicolai Berdiaev e tantos outros.
(7) Livros sobre estratégia e
tática da tomada do poder pelos comunistas, sobre a atividade
subterrânea do movimento comunista no Ocidente e principalmente sobre as
"medidas ativas" (desinformação, agentes de influência), como os de
Anatolyi Golitsyn, Christopher Andrew, John Earl Haynes, Ladislaw
Bittman, Diana West.
(8) Depoimentos, no maior número
possível, de ex-agentes ou militantes comunistas que contam a sua
experiência a serviço do movimento ou de governos comunistas, como
Arthur Koestler, Ian Valtin, Ion Mihai Pacepa, Whittaker Chambers, David
Horowitz.
(9) Depoimentos de alto valor
sobre a condição humana nas sociedades socialistas, como os de Guillermo
Cabrera Infante, Vladimir Bukovski, Nadiejda Mandelstam, Alexander
Soljenítsin, Richard Wurmbrand.
É um programa de leitura que pode
ser cumprido em quatro ou cinco anos por um bom estudante. Não conheço,
na direita ou na esquerda brasileiras, ninguém, absolutamente ninguém
que o tenha cumprido.
Há tanta gente neste país
querendo dar palpite no assunto, quase sempre com ares de sapiência, e
ninguém, ou praticamente ninguém, disposto a fazer o esforço necessário
para dar alguma substância às suas palavras.
Nenhum esquerdista honesto o fará
sem abjurar da sua crença para sempre. Nenhum direitista, sem
reconhecer que era um presunçoso, um bocó e, em muitos casos, um idiota
útil – às vezes ainda mais útil e mais idiota do que a massa de manobra
esquerdista.
A esquerda prospera na exploração
da ignorância, própria e alheia. Onde quer que ela exerça a hegemonia,
impera o mandamento de jamais ler as obras de adversários e críticos,
mas espalhar versões deformadas e caricaturais das suas ideias e
biografias, para que a juventude militante possa odiá-los na ilusão de
conhecê-los. Universidades que professam dar cursos de marxismo
capricham nesse ponto até o limite do controle mental puro e simples.
A direita, bem, a direita cultiva
suas formas próprias de auto-ilusão, das quais já falei bastante neste
mesmo jornal. Talvez volte ao assunto em outro artigo.
POR: Olavo de Carvalho
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