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segunda-feira, 12 de março de 2018

Democracia – o deus que falhou

Democracia – o deus que falhou

Teoria é algo indispensável para se interpretar corretamente a história. A história — a seqüência de eventos que se desenrolam no tempo — é “cega”. Ela nada revela sobre causas e efeitos. Podemos concordar, por exemplo, que a Europa feudal era pobre, que a Europa monárquica foi mais rica, e que a Europa democrática é ainda mais rica; ou que a América do século XIX, com seus baixos impostos e poucas regulamentações, era pobre, ao passo que a América atual, com seus altos impostos e vastas regulamentações, é rica.

Porém, será que a Europa era pobre por causa do feudalismo e será que ela se tornou mais rica por causa da monarquia e da democracia? Ou será que a Europa enriqueceu apesar da monarquia e da democracia? Ou, ainda, será que esses fenômenos sequer têm alguma relação? Da mesma maneira, podemos nos perguntar se a América contemporânea é mais rica por causa dos impostos mais altos e das maiores regulamentações ouapesar deles. Ou seja: será que a América não seria ainda mais próspera se impostos e regulamentações tivessem permanecido nos níveis em que estavam no século XIX?

Historiadores na qualidade de historiadores não podem responder tais perguntas, e não há manipulação de dados estatísticos que possa mudar esse fato. Cada seqüência de eventos empíricos é compatível com várias interpretações rivais e mutuamente incompatíveis.

Para se decidir entre tantas interpretações incompatíveis precisamos de uma teoria. Teoria, nesse caso, significa uma proposição cuja validade não depende de uma experiência adicional; sua validade pode ser estabelecida a priori. Isso não quer dizer que uma pessoa pode, sem qualquer experiência, estabelecer uma proposição teórica. O que isso quer dizer é que mesmo que experiência seja algo necessário, discernimento teórico é algo que transcende uma experiência histórica em particular, indo logicamente além desta.

Proposições teóricas são sobre fatos essenciais e relações, e, por implicação, sobre impossibilidades. Consequentemente, a experiência pode ilustrar uma teoria. Mas a experiência histórica não pode nem estabelecer um teorema, nem refutá-lo.

Teoria econômica e política, especialmente da variedade austríaca, é um tesouro recheado de tais proposições. Por exemplo, uma quantidade maior de um bem é preferível a uma quantidade menor desse mesmo bem; a produção deve preceder o consumo; o que é consumido hoje não pode ser consumido novamente no futuro; preços fixados abaixo do nível de equilíbrio de mercado levarão a escassezes duradouras; sem propriedade privada dos fatores de produção não tem como haver preços dos fatores, e sem os preços dos fatores a contabilidade de custos é impossível; um aumento na oferta de papel-moeda não pode aumentar a riqueza total da sociedade, pode somente redistribuir a riqueza existente; o monopólio (a ausência de uma livre entrada no mercado) leva a preços mais altos e produtos de menor qualidade do que em um ambiente concorrencial; nenhuma coisa ou parte de uma coisa pode ser propriedade exclusiva de mais de um agente ao mesmo tempo; democracia (governo da maioria) e propriedade privada são incompatíveis.

A teoria não substitui a história, é claro, porém sem uma firme compreensão da teoria, erros sérios na interpretação de dados históricos são inevitáveis. Por exemplo, o excelente historiador Carroll Quigley afirma que a invenção do sistema bancário de reservas fracionárias foi uma das principais causas da expansão sem precedentes da riqueza durante a Revolução Industrial, ao passo que incontáveis historiadores já associaram o sofrimento econômico do socialismo de estilo soviético à ausência de democracia.

Do ponto de vista teórico, tais interpretações devem ser rejeitadas. Um aumento na oferta de papel moeda não pode levar a uma prosperidade maior; leva apenas a uma redistribuição de riqueza. A explosão de riqueza durante a Revolução Industrial se deu apesar do sistema bancário de reservas fracionárias. Similarmente, a má situação econômica do socialismo não pode ter sido causada pela falta de democracia. Ao contrário, foi causada pela ausência de propriedade privada dos fatores de produção.

A “história convencionalmente aceita” está cheia de tais erros de interpretação. A teoria nos permite descartar certos relatos históricos como sendo impossíveis e incompatíveis com a natureza das coisas. Justamente por isso, ela nos permite sustentar outras coisas como sendo possibilidades históricas, mesmo que elas ainda não tenham sido tentadas.

Empregando teoria política e econômica, meu livro faz uma reconstrução revisionista da moderna história Ocidental. Ele cobre desde o surgimento dos estados monárquicos absolutistas, que saíram das ordens feudais onde não havia estado, até a transformação, começando com a Revolução Francesa e praticamente completada com o fim da Primeira Guerra Mundial, do mundo Ocidental desde os estados monárquicos até os democráticos, culminando com a ascensão dos EUA até o posto de “império universal”.

Autores neoconservadores como Francis Fukuyama interpretaram esse desenvolvimento como sendo um progresso da civilização, e proclamaram que o “Fim da História” havia chegado com o triunfo da social-democracia Ocidental e sua globalização. Democracia — o deus que falhou é a minha tentativa de mostrar o contrário, e definir e expressar uma visão libertária alternativa, uma que leva a propriedade privada a sério.

Três Grandes Mitos

Minha interpretação teórica envolve o estilhaçamento de três mitos históricos. O primeiro e mais fundamental é o mito de que, após um longo período de uma ordem não-estatista, foi o surgimento de estados que causou o subseqüente progresso econômico e civilizacional. Com efeito, a teoria indica que qualquer progresso teria de ter ocorrido apesar — e não por causa — da instituição de um estado.

O estado é definido convencionalmente como uma agência que exerce um monopólio territorial compulsório sobre qual a decisão final a ser tomada (jurisdição) e sobre qual deve ser a taxação. Por definição, então, todo estado, independentemente de sua constituição, é econômica e eticamente deficiente. Todo monopolista é “ruim” do ponto de vista dos consumidores. O monopólio aqui é entendido como a ausência de livre entrada em uma determinada linha de produção: apenas uma agência, A, pode produzir X.

Qualquer monopólio é “ruim” para os consumidores porque, protegidos contra potenciais novas entradas em sua linha de produção, o preço de seu produto será maior e a qualidade, menor do que se houvesse uma livre entrada. E um monopolista com poderes de tomar a decisão final é particularmente ruim. Enquanto que outros monopolistas produzem bens inferiores, um juiz monopolista, além de produzir bens inferiores, irá produzir malefícios, pois aquele que é o juiz supremo de todos os casos de conflito também tem a última palavra em cada conflito que envolva ele próprio. Consequentemente, ao invés de impedir e resolver conflitos, aquele que tem o monopólio da decisão suprema vai provocar conflitos com a intenção única de resolvê-los em causa própria.

Não apenas ninguém aceitaria essa provisão monopolística de um judiciário, como também ninguém jamais concordaria com uma cláusula que permitisse a um juiz determinar unilateralmente o preço a ser pago por seus “serviços”. Previsivelmente, tal monopolista utilizaria cada vez mais recursos (receita de impostos) para produzir cada vez menos bens e perpetrar cada vez mais malefícios. Essa não é uma receita de sucesso para uma proteção, mas sim para a opressão e a exploração. A conseqüência de um estado, portanto, não é a cooperação pacífica e a ordem social, mas o conflito, a provocação, a agressão, a opressão, e o empobrecimento — ou seja, a regressão da civilização. E isso, acima de tudo, é o que a história ilustra. A história do estado é, antes de tudo, a história de incontáveis milhões de vítimas inocentes.

O segundo mito envolve a transição histórica das monarquias absolutistas para os estados democráticos. Não são apenas os neoconservadores que interpretam esse fato como um progresso; existe uma concordância quase universal de que a democracia representa um avanço em relação à monarquia e é a causa do progresso econômico e moral. Essa interpretação é curiosa se observarmos que a democracia, no século XX, tem sido a fonte de todas as formas de socialismo: o socialismo democrático (europeu), o neoconservadorismo e o “esquerdismo chique” (americano), o socialismo internacional (soviético), o fascismo (italiano), e o nacional-socialismo (nazismo).

Mais importante, entretanto, a teoria contradiz essa interpretação; conquanto tanto as monarquias quanto as democracias sejam deficientes como estados, a democracia é pior do que a monarquia para manter o tamanho e o alcance do estado sob cheque.

Falando teoricamente, a transição da monarquia para a democracia envolve nada mais nada menos do que um “proprietário” monopolista hereditário (o príncipe ou o rei) sendo substituído por “zeladores” monopolistas temporários e permutáveis (presidentes, primeiros-ministros, e membros do parlamento). Tanto reis quanto presidentes vão produzir malefícios; no entanto um rei, pelo fato de ele “ter” o monopólio e poder vendê-lo ou deixá-lo de herança, vai se importar com as conseqüências que seus atos terão sobre o valor de seus ativos.

Como dono do estoque de capital de “seu” território, o rei será comparativamente mais orientado para o futuro. Com o intuito de preservar ou otimizar o valor de sua propriedade, ele vai explorá-la apenas moderada e calculadamente. Em contraste, um zelador temporário, democrático e permutável não é dono do país, mas enquanto ele estiver no poder poderá utilizá-lo em vantagem própria. Ele é dono do poder, mas não do estoque de capital do país. Mas esse fato não elimina a exploração. Ao contrário, torna a exploração míope (orientada para o presente) e não calculada, isto é, levada a cabo sem consideração para com o valor do estoque de capital.

Também não é uma vantagem da democracia permitir uma livre entrada para todos os cargos estatais (ao passo que, sob uma monarquia, a entrada é restringida pelos critérios do rei). Ao contrário, apenas na produção de bens é que a concorrência é uma coisa boa. Concorrência na produção de malefícios não é algo bom; na verdade, é extremamente danosa. Reis, conquistando seus cargos por virtude de nascimento, podem ser diletantes inofensivos ou homens decentes (e se eles forem “loucos”, serão rapidamente refreados ou, se necessário, mortos por parentes próximos preocupados com as posses da dinastia).

Contrastando agudamente com essa situação, a seleção de governantes através de eleições populares torna praticamente impossível que uma pessoa inofensiva e decente chegue ao topo. Presidentes e primeiros-ministros conseguem conquistar suas posições por causa de sua eficiência em serem demagogos moralmente desinibidos. Assim, a democracia praticamente garante que apenas os homens perigosos chegarão ao topo dos governos.

Em particular, a democracia promove um aumento na taxa social de preferência temporal (orientação mais voltada para o presente) ou a “infantilização” da sociedade. Ela resulta em gastos e impostos continuamente crescentes, papel-moeda e inflação do papel-moeda, uma infindável avalanche de legislações, e em um crescimento regular da dívida “pública”. Justamente por isso, a democracia leva a uma menor taxa de poupança, a um aumento da incerteza jurídica, a uma confusão moral, à desordem e ao crime. Ademais, a democracia é uma ferramenta de confisco e redistribuição da renda e da riqueza. Ela envolve o ato de o legislativo “tomar” a propriedade de alguns (aqueles que têm) e “entregá-la” para outros (os que não têm).

E já que presumivelmente é algo valioso que está sendo redistribuído — o qual aqueles que têm, têm muito, e aqueles que não têm, têm muito pouco —, qualquer redistribuição desse tipo implica que o incentivo para ser uma pessoa de valor e produzir algo de valor será sistematicamente reduzido. Em outras palavras, a proporção tanto de pessoas débeis como de características pessoais falhas, além de hábitos e formas de conduta nada elogiáveis vão aumentar, e a vida em sociedade vai se tornar cada vez mais desprazível.

A democracia resultou em uma mudança radical na conduta de guerras. Pelo fato de poderem externalizar os custos de suas próprias agressões contra terceiros (via impostos), tanto reis quanto presidentes serão mais agressivos e belicistas do que o “normal”. Entretanto, a motivação de um rei para uma guerra envolve tipicamente uma disputa por uma herança de propriedade. O objetivo de sua guerra é tangível e territorial: ganhar o controle sobre algum pedaço de terreno e seus habitantes. E para atingir esse objetivo, é do seu interesse distinguir entre os combatentes (seus inimigos e alvos de ataque) e os não combatentes e suas propriedades (para que fiquem fora da guerra e incólumes).

A democracia transformou as guerras limitadas dos reis em guerras totais. O motivo para uma guerra passou a ser ideológico — democracia, liberdade, civilização, humanidade. Os objetivos são intangíveis e evasivos: a “conversão” ideológica dos perdedores precedida por sua rendição “incondicional” (a qual, dado que ninguém nunca poderá se certificar sobre a sinceridade da conversão, pode requerer alguns meios adicionais, como a matança de civis). E a distinção entre combatentes e não combatentes se torna vaga até que, no final, desaparece sob a democracia; e o envolvimento das massas na guerra — o recrutamento compulsório e o apoio popular — bem como os “danos colaterais” passam a fazer parte da estratégia de guerra.

O terceiro mito é a crença de que não existem alternativas para as democracias assistencialistas ocidentais. Novamente, a teoria mostra o contrário. O moderno estado assistencialista não é um sistema econômico “estável”. Ele está destinado a entrar em colapso sob o peso do seu próprio parasitismo, muito parecidamente como o socialismo russo implodiu duas décadas atrás. Mais importante, entretanto, existe uma alternativa economicamente estável à democracia. O termo que proponho para esta alternativa é “ordem natural”.

A Propriedade Privada Como Alternativa

Em uma ordem natural, cada recurso escasso, inclusive toda terra, é gerido privadamente; cada iniciativa é fundada por clientes que pagam voluntariamente ou por doadores privados, e a entrada em cada linha de produção, inclusive a de proteção à propriedade, arbitragem de conflitos e pacificação, é livre. Uma grande parte do meu livro se concentra na explicação do funcionamento — a lógica — de uma ordem natural e os requisitos para se fazer a transformação de uma democracia para uma ordem natural.
Enquanto que estados desarmam seus cidadãos para poder roubá-los mais seguramente (nisso, deixando-os mais vulneráveis também para criminosos e ataques terroristas), uma ordem natural é caracterizada por cidadãos coletivamente armados. Essa característica é estimulada por empresas de seguro, que desempenham um papel proeminente como fornecedores de segurança e proteção em uma ordem natural.

Seguradoras vão encorajar o porte de armas oferecendo prêmios mais baratos para clientes armados (e treinados em armas). Por sua natureza, seguradoras são agências defensivas. Somente um dano “acidental” (que não é auto-infligido, causado ou provocado) é “segurável”. A agressores e provocadores será negada a cobertura de seguros, e assim estes estarão vulneráveis. E como as seguradores têm de indenizar seus clientes caso eles sejam vítimas de algum infortúnio, elas deverão estar constantemente preocupadas com a prevenção de agressões criminais, com a recuperação de propriedade desviada e com a apreensão daqueles responsáveis pelo dano em questão.
Além disso, a relação entre seguradora e cliente é contratual. As regras do jogo são mutuamente acordadas e fixadas. Uma seguradora não pode “legislar”, ou alterar unilateralmente os termos do contrato. Em particular, se uma seguradora quer atrair uma clientela voluntariamente pagante, ela deve estar prevenida para os previsíveis e inevitáveis conflitos que terá de solucionar, não apenas entre seus próprios clientes, mas especialmente com clientes de outras seguradoras. A única cláusula que cobre satisfatoriamente esta última eventualidade é que uma seguradora se vincule contratualmente a uma agência de arbitramento independente. Entretanto, não é qualquer intermediação que vai funcionar. As seguradoras conflitantes devem concordar quanto ao arbitrador ou à agência de arbitramento; e para que um arbitrador seja da concordância das seguradoras, ele deve produzir um resultado (de procedimento legal e julgamento independente) que incorpore o mais amplo consenso moral possível entre as seguradoras e, também, entre os clientes. Desta forma, contrariamente às condições estatistas, uma ordem natural é caracterizada por leis estáveis e previsíveis, e por uma crescente harmonia jurídica.
Ademais, empresas de seguro promovem o desenvolvimento de outra “característica de segurança”. Os estados não apenas desarmaram seus cidadãos tirando-lhes suas armas; os estados democráticos em particular também despiram os seus cidadãos do direito de excluir e, não satisfeitos, passaram a promover — através de várias ações afirmativas e não discriminatórias, além de políticas multiculturalistas — a integração forçada.
Em uma ordem natural, o direito de excluir — algo inerente à própria idéia da propriedade privada — é restaurado e devolvido aos donos de propriedade. Além do que, enquanto que os estados solaparam as típicas instituições sociais mediadoras (famílias, igrejas, comunidades e clubes) e todas as autoridades reconhecidas dessas instituições, para que pudessem aumentar seu próprio poder vis-à-vis indivíduos iguais e isolados, uma ordem natural é claramente não-igualitária.
Uma estratégia para a Liberdade
Finalmente, meu livro discute questões e assuntos estratégicos. Como uma ordem natural pode emergir de uma democracia? Eu explico o papel das idéias, dos intelectuais, das elites e da opinião pública na legitimação e na deslegitimação do poder do estado. Em particular, eu discuto o papel de uma radical descentralização de poderes e a proliferação de entidades políticas independentes como sendo um importante passo em direção ao objetivo de uma ordem natural baseada na propriedade privada. Por fim, explico como se deve privatizar corretamente propriedades “públicas” e “socializadas”.

Sobre o Autor: Hans -Hermann Hoppe
Hans-Hermann Hoppe é um membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics. Ele recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha. Ele é o autor, entre outros trabalhos, deUma Teoria sobre Socialismo e Capitalismoe The Economics and Ethics of Private Property

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