“Tenho apenas um farol pelo qual meus passos são guiados; e este é o farol da experiência. Não conheço nenhuma outra forma de julgar o futuro senão pelo passado.” Estas palavras de Patrick Henry foram proferidas no decorrer de seu famoso discurso, conhecido pela poderosa frase de encerramento “me deem liberdade ou me deem a morte” (“give me liberty or give me death”). Embora Henry provavelmente não tivesse a intenção de isso ser um axioma sociopolítico, a tradição conservadora anglo-americana a adotou como um.
Conservadores corretamente olham para o passado para influenciar suas visões do futuro. Mudanças na estrutura básica das instituições sociais são inerentemente arriscadas, e devem ser guiadas pelo “farol da experiência” para que a reforma não perca o rumo.
Conservadores corretamente olham para o passado para influenciar suas visões do futuro. Mudanças na estrutura básica das instituições sociais são inerentemente arriscadas, e devem ser guiadas pelo “farol da experiência” para que a reforma não perca o rumo.
Mas a experiência se acumula com o avançar do tempo. Mudanças propostas para a vida pública que parecem radicais e perigosas em uma era podem incorporar sabedoria e intendência em outra. O conservadorismo aplicado não é nada menos do que destreza constitucional contínua. E neste contexto, “constituição” não se refere a qualquer coisa que seja redigida em um documento, mas aos verdadeiros procedimentos e práticas que constituem a esfera pública de uma sociedade.
Neste espírito, eu proponho uma posição que parece extraordinária, mas estou convencido que ela seja exigida pela experiência histórica: o estado é uma força fundamentalmente anti-conservadora, e a fim de preservar as coisas boas, verdadeiras e bonitas na sociedade, ele deve ser eliminado. Em resumo, eu defendo que os conservadores devem considerar seriamente o anarquismo.
Eu tenho consciência que esta posição parece absurda, ao menos à primeira vista. Há muito tempo que conservadores defendem que a ordem política existente merece respeito exatamente porque ela é o resultado dos costumes, hábitos e experiência. Mudanças drásticas nas instituições sociais básicas quase sempre geram o caos. Então como alguém pode ser conservador e anarquista?
Primeiro, contemplemos a natureza do conservadorismo. Seu teórico mor continua sendo Russel Kirk, o fundador do conservadorismo americano pós-guerra. Sou um admirador desta citação de Kirk: “A atitude a que chamamos conservadorismo é sustentada por um corpo de sentimentos, mais do que por um sistema de dogmas ideológicos. Em geral um conservador pode ser definido como alguém que se define como tal. O movimento conservador, ou corpo de opiniões, pode acomodar uma considerável diversidade de perspectivas em muitos temas, não havendo um “Test Act” ou “Trinta e Nove Artigos” do credo conservador.”
Portanto, conservadorismo é realmente um hábito da mente ou orientação do sentimento. É uma forma de pensar sobre o homem, a sociedade e a relação entre os dois. Tem muito mais a dizer sobre como tratamos estes tópicos do que o que dizemos sobre eles. Seria errado concluir que qualquer posição pode ser conservadora, contanto que seja teorizada da maneira “correta”. Mas não obstante, permanece verdade que o “conservadorismo liberal” não precisa ser uma contradição em termos. Na verdade, muitos dos maiores pensadores da tradição conservadora – Acton, Tocqueville, e mesmo o próprio Burke – são melhor classificados sob esta denominação.
Agora consideremos a anarquia. Kirk tem isso a dizer sobre esta forma particular de organização social: “Quando toda pessoa reivindica ser um poder sobre si mesma, então a sociedade cai na anarquia. Anarquia jamais perdura, sendo intolerável para todos, e contrária ao fato inevitável de que algumas pessoas são mais fortes e mais espertas que seus vizinhos. À anarquia segue-se a tirania ou a oligarquia, nas quais o poder é monopolizado por uma pequena minoria.” Portanto, anarquia é equiparada a ausência de leis. Então é óbvio que conservadores não podem aceitar uma organização social que repudia todas as instituições de governança. Estas instituições são necessárias e apropriadas para reprimir os impulsos básicos dos homens e canalizar para o bem comum suas paixões potencialmente destrutivas.
Mas quais instituições? Existe uma miríade de formas pelas quais as sociedades humanas podem ser governadas. Na verdade, pela maior parte da história humana, as sociedades não foram governadas por estados como os conhecemos atualmente. A palavra “estado”, significando um agente unitário que incorpora o aparato formal do governo, provavelmente se originou com Maquiavel. Antes do surgimento do estado, que teve início na Renascença mas alcançou o seu apogeu com o fim da Guerra dos Trinta Anos no meio do século XVII, a Europa era governada por várias autoridades cujas jurisdições eram fragmentadas, concomitantes e concorrentes. O sistema polilegal da Alta Idade Média, no qual a autoridade dos reis, nobreza local, guildas, cidades livres, e da Igreja Católica Romana competiam e frequentemente controlavam os abusos umas das outras, é um exemplo importante e um que deveria despertar o interesse dos conservadores.
Assim um anarquista não é alguém que se opõe a lei e a ordem. E nem é um revolucionário violento. Um anarquista se opõe a uma instituição específica que alega ter o direito de fornecer estes importantes bens sociais: o estado. E um conservador anarquista se opõe ao estado porque o estado, por sua própria natureza, é hostil aos bens e práticas necessárias não apenas para a lei e a ordem, mas também para um florescimento da vida em sociedade por parte de seus cidadãos. O conservador anarquista não é uma contradição em termos, mas um reconhecimento de que os objetivos conservadores são sistematicamente prejudicados pelas instituições modernas de governo formal.
Estabelecer esta afirmação requer ir fundo naquilo que faz do estado um estado. Muitos implicaram com a famosa definição de Max Weber; ninguém propôs uma melhor. O estado é a entidade que reivindica um monopólio sobre o uso legítimo de coerção dentro de um território geográfico específico. O aspecto de monopólio é crucial. Precisamente porque o estado é soberano, tanto de facto quanto de jure, quem quer que capture o estado fica em posição de afetar todas as outras instituições e práticas sociais. Isto não é afirmar que decretos políticos podem instantaneamente reordenar a sociedade civil. Ao invés disso, isto é o reconhecimento que o estado, ao legalmente favorecer alguns interesses dentro de sua jurisdição enquanto desfavorece outros, enviesa o campo de jogo de modo que, com o tempo, os interesses favorecidos ganham riqueza, poder e prestígio, enquanto os interesses desfavorecidos os perdem.
Quais interesses terão uma vantagem comparativa em capturar o estado? Especialmente em sociedades democráticas, coalizões politicas cujo objetivo é liquidar ordens existentes e colocar novas em seus lugares serão mais propícias em obter e manter o poder. Pois liquidar ordens existentes dá acesso a riqueza material que pode ser redistribuída aos apoiadores da coalizão política. Mas as fontes de riqueza não precisam ser materiais. Movimentos políticos organizados para diminuir o status de instituições culturais existentes, como as de religiões tradicionais, também fornecem benefícios aos apoiadores desses movimentos. Status é uma soma zero: se costumes culturais mudam de modo que aqueles tradicionalistas são vistos como apoiadores de um modo de vida ultrapassado, enquanto inovadores radicais são vistos como os defensores da justiça e do progresso, então estes últimos terão adquirido um benefício das organizações políticas, um que em muitos contextos é considerado mais valioso do que um mero mamon.
Isso explica porque o estado está quase sempre à frente das inovações sociais. Precisamente por causa de seu monopólio da força, ele é a ferramenta perfeita para os reformistas radicais utilizarem como um meio de avançar seus projetos de engenharia social.
Historicamente, não existiu nenhum inovador … mais radical e destruidor de instituições intermediárias que o estado. Dos projetos de criação de estados do começo da modernidade, aos períodos absolutistas na Inglaterra e no continente, às aspirações nacionalistas do final do século XIX e os regimes totalitários do começo do século XX, o estado tem sido singularmente hostil aos costumes e instituições primárias que constituem uma nação e são elementos adequados de suas lealdades primárias. … Foi o estado, e a força colossal ao seu dispor, o responsável primordial pelas terríveis nivelações sociais que ocorreram de alguma forma desde a Revolução Francesa. Foi o estado que tentou, e geralmente conseguiu, erradicar qualquer outra fonte de lealdade do homem, o reduzindo a uma mera engrenagem na máquina social, sem nenhum valor ou dignidade exceto as provenientes de sua utilidade para o estado. Ele pegou a “liberdade dos antigos” de Constant e a despiu de suas poucas graças redentoras, criando um mecanismo de morte e destruição de um jeito que o mundo jamais havia visto.
Conservadores têm gradualmente chegado a duas conclusões problemáticas. A primeira é que, com o tempo, eles perdem e os progressistas ganham. Na melhor das hipóteses, os conservadores paralisam temporariamente os projetos de desmantelamento dos progressistas, mas mesmo quando as vitórias dos progressistas são retardadas, eles ainda estão ganhando. O segundo é que a janela de Overton se desloca para a esquerda a cada geração, o que quer dizer que os conservadores acabam lutando para reelaborar seus argumentos de uma forma que seja aceitável publicamente, enquanto os progressistas desfrutam da continuidade normativa e cultural. Dado estes fatos, não é de se estranhar que os conservadores ficam tentado descobrir por que eles não conseguem nem sequer manter a posição, quanto mais avançar.
Apesar de não ser suficiente, uma parte necessária da explicação é que o estado é constitucionalmente hostil ao conservadorismo. Isto podia não ser evidente em 1648 ou em 1783. Mas agora é. Por uma questão de preservação da liberdade adquirida e de proteção dos costumes transmitidos e da fé, os conservadores deveriam rejeitar a legitimidade do estado. Deixar de fazer isso é lutar uma guerra nos termos do inimigo.
Artigo original aqui.
Tradução de Fernando Chiocca
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