“O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”
É
o título de uma coletânea de textos de autoria do filósofo sem
carteirinha, crachá ou livro-ponto Olavo de Carvalho (foto), lançado há
duas semanas pela Editora Record (615 páginas, R$ 51,90). Os artigos
foram selecionados e organizados por Felipe Moura Brasil, um jovem de
vinte e poucos — bem poucos — anos, que também cuida de notas
explicativas e referências bibliográficas que remetem o leitor tanto à
vasta obra do próprio Olavo como à teia de autores e temas com os quais
seus textos dialogam ou polemizam.
Moura Brasil informa que a seleção
obedeceu a seu gosto pessoal e à necessidade de partilhar a sua
experiência de leitor e estudioso da obra de Olavo. Esse moço é a prova
de que a inteligência e a autonomia intelectual sobrevivem mesmo aos
piores tempos. E os piores tempos podem não ser aqueles em que o amor à
liberdade é obrigado a resistir na clandestinidade — afinal, resta a
esperança no fundo da caixa —, mas aqueles em que a divergência se
torna, por si, uma violência inaceitável. Nesse caso, a própria
esperança começa a correr riscos.
O livro, o que não chega a ser uma surpresa, provocou um enorme silêncio — que é uma das formas do moderno exercício da violência. Os leitores, no entanto, estão fazendo a sua parte, e ele já figura em 10º lugar na lista dos “Mais Vendidos”, na categoria “Não-Ficção”, na VEJA desta semana.
O livro, o que não chega a ser uma surpresa, provocou um enorme silêncio — que é uma das formas do moderno exercício da violência. Os leitores, no entanto, estão fazendo a sua parte, e ele já figura em 10º lugar na lista dos “Mais Vendidos”, na categoria “Não-Ficção”, na VEJA desta semana.
“O
Mínimo…” reúne, basicamente, artigos que Olavo publicou em jornais e
revistas, inclusive nas revistas “República” e “BRAVO!”, das quais fui
redator-chefe — e a releitura, agora, em livro, me remeteu àqueles
tempos. Impactam ainda hoje e podiam ser verdadeiros alumbramentos há
10, 12, 13 anos, quando o autor, é forçoso admitir, via com mais aguda
vista do que todos nós o que estava por vir. Olavo é dono de uma cultura
enciclopédica — no que concerne à universalidade de referências —, mas
não pensa por verbetes. E isso desperta a fúria das falanges do ódio e
do óbvio. Consegue, como nenhum outro autor no Brasil — goste-se ou não
dele —, emprestar dignidade filosófica à vida cotidiana, sem jamais
baratear o pensamento.
Isso não quer dizer que não transite — e as falanges não o fustigam menos por isto; ao contrário — com maestria no terreno da teoria e da história. É autor, por exemplo, da monumental — 32 volumes! — “História Essencial da Filosofia” (livros acompanhados de DVDs). Alguns filósofos de crachá e livro-ponto poderiam ter feito algo parecido — mas boa parte estava ocupada demais doutrinando criancinhas… Há o Olavo de “A Dialética Simbólica” ou de “A Filosofia e seu Inverso”, e há este outro, que é expressão daquele, mas que enfrenta os temas desta nossa vida besta, como disse o poeta, revelando o sentido de nossas escolhas e, muito especialmente, das escolhas que não fazemos.
Isso não quer dizer que não transite — e as falanges não o fustigam menos por isto; ao contrário — com maestria no terreno da teoria e da história. É autor, por exemplo, da monumental — 32 volumes! — “História Essencial da Filosofia” (livros acompanhados de DVDs). Alguns filósofos de crachá e livro-ponto poderiam ter feito algo parecido — mas boa parte estava ocupada demais doutrinando criancinhas… Há o Olavo de “A Dialética Simbólica” ou de “A Filosofia e seu Inverso”, e há este outro, que é expressão daquele, mas que enfrenta os temas desta nossa vida besta, como disse o poeta, revelando o sentido de nossas escolhas e, muito especialmente, das escolhas que não fazemos.
O livro é
dividido em 25 capítulos ou macrotemas: Juventude, Conhecimento,
Vocação, Cultura, Pobreza, Fingimento. Democracia, Socialismo,
Militância, Revolução, Intelligentzia, Inveja, Aborto, Ciência,
Religião, Linguagem, Discussão, Petismo, Feminismo, Gayzismo,
Criminalidade, Dominação, EUA, Libertação e Estudo. Cada um deles reúne
um grupo de textos, e alguns se desdobram em subtemas, como a
espetacular seleção de textos de “Revolução”, reunidos sob rubricas
distintas, como, entre outras, Globalismo, Manipulação e Capitalistas X
Revolucionários.
Vivemos
tempos um tanto brutos, hostis ao pensamento.
Vivemos a era em que o sentimento de “justiça” ou o de “igualdade” — com frequência, alheios ou mesmo refratários a qualquer noção de direito — reivindicam um estatuto moralmente superior a conceitos como verdade e realidade; estes seriam, por seu turno, meras construções subjetivas ou de classe, urdidas com o propósito de provocar a infelicidade geral. Olavo demole com precisão e brilho a avalanche de ideias prontas, tornadas influentes pelo “imbecil coletivo” e que vicejam muito especialmente na imprensa — fenômeno enormemente potencializado pelas redes sociais.
Vivemos a era em que o sentimento de “justiça” ou o de “igualdade” — com frequência, alheios ou mesmo refratários a qualquer noção de direito — reivindicam um estatuto moralmente superior a conceitos como verdade e realidade; estes seriam, por seu turno, meras construções subjetivas ou de classe, urdidas com o propósito de provocar a infelicidade geral. Olavo demole com precisão e brilho a avalanche de ideias prontas, tornadas influentes pelo “imbecil coletivo” e que vicejam muito especialmente na imprensa — fenômeno enormemente potencializado pelas redes sociais.
Em 2003, o jornal “O Globo” ainda publicava textos como “Orgulho do Fracasso”, de Olavo. E se podia ler (em azul):
Língua, religião e alta cultura são os únicos componentes de uma nação que podem sobreviver quando ela chega ao término da sua duração histórica. São os valores universais, que, por servirem a toda a humanidade e não somente ao povo em que se originaram, justificam que ele seja lembrado e admirado por outros povos. A economia e as instituições são apenas o suporte, local e temporário, de que a nação se utiliza para seguir vivendo enquanto gera os símbolos nos quais sua imagem permanecerá quando ela própria já não existir.
(…)
A experiência dos milênios, no entanto, pode ser obscurecida até tornar-se invisível e inconcebível. Basta que um povo de mentalidade estreita seja confirmado na sua ilusão materialista por uma filosofia mesquinha que tudo explique pelas causas econômicas. Acreditando que precisa resolver seus problemas materiais antes de cuidar do espírito, esse povo permanecerá espiritualmente rasteiro e nunca se tornará inteligente o bastante para acumular o capital cultural necessário à solução daqueles problemas. O pragmatismo grosso, a superficialidade da experiência religiosa, o desprezo pelo conhecimento, a redução das atividades do espírito ao mínimo necessário para a conquista do emprego (inclusive universitário), a subordinação da inteligência aos interesses partidários, tais são as causas estruturais e constantes do fracasso desse povo. Todas as demais explicações alegadas — a exploração estrangeira, a composição racial da população, o latifúndio, a índole autoritária ou rebelde dos brasileiros, os impostos ou a sonegação deles, a corrupção e mil e um erros que as oposições imputam aos governos presentes e estes aos governos passados — são apenas subterfúgios com que uma intelectualidade provinciana e acanalhada foge a um confronto com a sua própria parcela de culpa no estado de coisas e evita dizer a um povo pueril a verdade que o tornaria adulto: que a língua, a religião e a alta cultura vêm primeiro, a prosperidade depois.
(…)
Língua, religião e alta cultura são os únicos componentes de uma nação que podem sobreviver quando ela chega ao término da sua duração histórica. São os valores universais, que, por servirem a toda a humanidade e não somente ao povo em que se originaram, justificam que ele seja lembrado e admirado por outros povos. A economia e as instituições são apenas o suporte, local e temporário, de que a nação se utiliza para seguir vivendo enquanto gera os símbolos nos quais sua imagem permanecerá quando ela própria já não existir.
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A experiência dos milênios, no entanto, pode ser obscurecida até tornar-se invisível e inconcebível. Basta que um povo de mentalidade estreita seja confirmado na sua ilusão materialista por uma filosofia mesquinha que tudo explique pelas causas econômicas. Acreditando que precisa resolver seus problemas materiais antes de cuidar do espírito, esse povo permanecerá espiritualmente rasteiro e nunca se tornará inteligente o bastante para acumular o capital cultural necessário à solução daqueles problemas. O pragmatismo grosso, a superficialidade da experiência religiosa, o desprezo pelo conhecimento, a redução das atividades do espírito ao mínimo necessário para a conquista do emprego (inclusive universitário), a subordinação da inteligência aos interesses partidários, tais são as causas estruturais e constantes do fracasso desse povo. Todas as demais explicações alegadas — a exploração estrangeira, a composição racial da população, o latifúndio, a índole autoritária ou rebelde dos brasileiros, os impostos ou a sonegação deles, a corrupção e mil e um erros que as oposições imputam aos governos presentes e estes aos governos passados — são apenas subterfúgios com que uma intelectualidade provinciana e acanalhada foge a um confronto com a sua própria parcela de culpa no estado de coisas e evita dizer a um povo pueril a verdade que o tornaria adulto: que a língua, a religião e a alta cultura vêm primeiro, a prosperidade depois.
(…)
Retomo
Grande Olavo de Carvalho! Dez anos depois,
com o país nessa areia, como ignorar a força reveladora das palavras
acima? Olhem à nossa volta. O que temos senão um governo incompetente,
que fez refém ou tornou dependente (com Bolsa BNDES, Bolsa Juro, Bolsa
Isenção Tributária) uma elite não muito iluminada, combatido, o que é
pior, por uma oposição que não consegue encetar uma crítica que vá além
do administrativismo sem imaginação, refratária ao debate, que foge do
confronto de ideias como Lula foge dos livros e Dilma da sintaxe?
O país
emburrece. Eu mesmo, mais de uma vez, em ambientes supostamente afeitos
ao pensamento, à reflexão e à leitura, pude constatar o processo de
satanização do contraditório.
É mais difícil travar com intelectuais (ou, sei lá, com as classes supostamente ilustradas) um debate racional sobre a legalização do aborto do que com um homem ou uma mulher do povo, de instrução mediana. E não porque aqueles tenham os melhores argumentos. Ao contrário: têm os piores. Olham para a sua cara e dizem, com certo ar de trunfo, como se tivessem encontrado a verdade definitiva: “É uma questão dos direitos reprodutivos da mulher”.
Digamos que fosse… Esses tais “direitos reprodutivos” teriam caído da árvore da vida, como caiu a maçã para Newton, ou são uma construção? Por que estaria acima do debate?
É mais difícil travar com intelectuais (ou, sei lá, com as classes supostamente ilustradas) um debate racional sobre a legalização do aborto do que com um homem ou uma mulher do povo, de instrução mediana. E não porque aqueles tenham os melhores argumentos. Ao contrário: têm os piores. Olham para a sua cara e dizem, com certo ar de trunfo, como se tivessem encontrado a verdade definitiva: “É uma questão dos direitos reprodutivos da mulher”.
Digamos que fosse… Esses tais “direitos reprodutivos” teriam caído da árvore da vida, como caiu a maçã para Newton, ou são uma construção? Por que estaria acima do debate?
Mais um pouco das palavras irretocáveis de Olavo (em azul):
Na tipologia de Lukács, que distingue
entre os personagens que sofrem porque sua consciência é mais ampla que a
do meio em que vivem e os que não conseguem abarcar a complexidade do
meio, a literatura brasileira criou um terceiro tipo: aquele cuja
consciência não está nem acima nem abaixo da realidade, mas ao lado
dela, num mundo à parte todo feito de ficções retóricas e afetação
histriônica. Em qualquer outra sociedade conhecida, um tipo assim
estaria condenado ao isolamento. Seria um excêntrico.
No Brasil,
ao contrário, é o tipo dominante: o fingimento é geral, a fuga da
realidade tornou-se instrumento de adaptação social. Mas adaptação, no
caso, não significa eficiência, e sim acomodação e cumplicidade com o
engano geral, produtor da geral ineficiência e do fracasso crônico, do
qual em seguida se busca alívio em novas encenações, seja de revolta,
seja de otimismo. Na medida em que se amolda à sociedade brasileira, a
alma se afasta da realidade — e vice-versa. Ter a cabeça no mundo da
lua, dar às coisas sistematicamente nomes falsos, viver num estado de
permanente desconexão entre as percepções e o pensamento é o estado
normal do brasileiro. O homem realista, sincero consigo próprio, direto e
eficaz nas palavras e ações, é que se torna um tipo isolado, esquisito,
alguém que se deve evitar a todo preço e a propósito do qual circulam
cochichos à distância.
Meu amigo
Andrei Pleshu, filósofo romeno, resumia: “No Brasil, ninguém tem a
obrigação de ser normal.” Se fosse só isso, estaria bem. Esse é o Brasil
tolerante, bonachão, que prefere o desleixo moral ao risco da
severidade injusta. Mas há no fundo dele um Brasil temível, o Brasil do
caos obrigatório, que rejeita a ordem, a clareza e a verdade como se
fossem pecados capitais. O Brasil onde ser normal não é só
desnecessário: é proibido. O Brasil onde você pode dizer que dois mais
dois são cinco, sete ou nove e meio, mas, se diz que são quatro, sente
nos olhares em torno o fogo do rancor ou o gelo do desprezo. Sobretudo
se insiste que pode provar.
Sem ter em
conta esses dados, ninguém entende uma só discussão pública no Brasil.
Porque, quando um brasileiro reclama de alguma coisa, não é que ela o
incomode de fato. Não é nem mesmo que exista. É apenas que ele gostaria
de que existisse e fosse má, para pôr em evidência a bondade daquele que
a condena. Tudo o que ele quer é dar uma impressão que, no fundo, tem
pouco a ver com a coisa da qual fala. Tem a ver apenas com ele próprio,
com sua necessidade de afeto, de aplauso, de aprovação. O assunto é mero
pretexto para lançar, de maneira sutil e elegante, um apelo que em
linguagem direta e franca o exporia ao ridículo.
Esse ardil
psicológico funda-se em convenções provisórias, criadas de improviso
pela mídia e pelo diz que diz, que apontam à execração do público umas
tantas coisas das quais é bom falar mal. Pouco importa o que sejam. O
que importa é que sua condenação forma um “topos”, um lugar-comum: um
lugar no qual as pessoas se reúnem para sentir-se bem mediante discursos
contra o mal. O sujeito não sabe, por exemplo, o que são transgênicos.
Mas viu de relance, num jornal, que é coisa ruim. Melhor que coisa ruim:
é coisa de má reputação. Falando contra ela, o cidadão sente-se igual a
todo mundo, e rompe por instantes o isolamento que o humilha.
Essa
solidariedade no fingimento é a base do convívio brasileiro, o pilar de
geleia sobre o qual se constroem uma cultura e milhões de vidas. Em
outros lugares as pessoas em geral discutem coisas que existem, e só as
discutem porque perceberam que existem. Aqui as discussões partem de
simples nomes e sinais, imediatamente associados a valores, ao ruim e ao
bom, a despeito da completa ausência das coisas consideradas.
Não se lê,
por exemplo, um só livro de história que não condene a “história
oficial” — a história que celebra as grandezas da pátria e omite as
misérias da luta de classes, do racismo, da opressão dos índios e da vil
exploração machista. Em vão buscamos um exemplar da dita-cuja. Não há
cursos, nem livros, nem institutos de história oficial. Por toda parte,
nas obras escritas, nas escolas de crianças e nas academias de gente
velha, só se fala da miséria da luta de classes, do racismo, de índios
oprimidos e da vil exploração machista. Há quatro décadas a história
militante que se opunha à história oficial já se tornou hegemônica e
ocupou o espaço todo. Se há alguma história oficial, é ela própria.
Mas, sem
uma história oficial para combater, ela perderia todo o encanto da
rebeldia convencional, pondo à mostra os cabelos brancos que assinalam
sua identidade de neo-oficialismo consagrado — balofo, repetitivo e
caquético como qualquer academismo. Direi então que açoita um cavalo
morto? Não é bem isso. Ela própria é um cavalo morto. Um cavalo morto
que, para não admitir que está morto, escoiceia outro cavalo morto. Todo
o “debate brasileiro” é uma troca de coices num cemitério de cavalos.
Encerro
Leia esse livro de Olavo de Carvalho.
Ninguém, no Brasil, escreve com a sua força e a sua clareza. Tampouco
parece fácil rivalizar com a sua cultura, fruto da dedicação, do
trabalho no claustro, da aplicação, não da busca de brilharecos. Leia
Olavo: contra o ódio, contra o óbvio, contra os idiotas e a favor de si
mesmo.
Por Reinaldo Azevedo<meta name="KeyWords" content="Um dos livros mais vendidos, Um dos livros mais vendidos, Um dos livros mais vendidos, Um dos livros mais vendidos, Um dos livros mais vendidos, Um dos livros mais vendidos, Um dos livros mais vendidos, Um dos livros mais vendidos, Um dos livros mais vendidos, Um dos livros mais vendidos,">
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