Pessoas auto-intituladas
piedosas e caritativas rotineiramente dizem que o livre mercado e a busca pelo
lucro não são atitudes que estão em conformidade com princípios morais. Tais pessoas creem estar genuinamente
defendendo os mais puros princípios humanitários ao defenderem alguma
alternativa ao livre mercado, como por exemplo a terceira via ou mesmo o
"distributivismo", doutrina segundo a qual o melhor sistema social é aquele em
que a propriedade produtiva está amplamente dispersa pela sociedade em vez de
concentrada nas mãos de alguns poucos.
Apenas para deixar claro, tais pessoas não defendem o socialismo per se, que envolve a estatização dos
meios de produção, mas sim a ampla distribuição destes entre o máximo possível
de indivíduos.
Em 1871, Carl Menger
escreveu Princípios
de Economia Política, uma obra de profunda genialidade que
essencialmente inaugurou a Escola Austríaca de economia, mas que praticamente
nenhuma das pessoas que se arvoram a pontificar sobre a "questão social" leu ou
sequer conhece. Todos aqueles que
escrevem sobre distributivismo, ou que simplesmente fazem apelos emocionais em
prol da "necessidade" da redistribuição, parecem compartilhar da mesma
ignorância, jamais se apoiando em argumentos solidamente econômicos para
justificar sua posição — como se uma disciplina que se dedica à aplicação da
razão humana para a solução do problema da escassez no mundo pudesse ser em si
mesma antagonista aos bons princípios morais e aos mais belos ideais.
Mesmo se fizermos uma concessão a uma das principais premissas distributivistas — que diz que as micro e pequenas empresas são constantemente engolidas e destruídas pelas grandes empresas —, a conclusão a que eles sempre chegam, isto é, a de que é preferível para um indivíduo operar seu próprio negócio a ser empregado de outro, não é nada óbvia. É perfeitamente possível um indivíduo estar em melhor situação na condição de empregado, pois assim — para utilizar o argumento moral — ele poderá dar mais atenção à sua família, tendo mais tempo de lazer para usufruir junto a ela, algo que não aconteceria caso ele tivesse de se manter atento a todas as responsabilidades e cuidados inerentes à gerência do próprio negócio.
Da mesma forma, caso a empresa para a qual
ele trabalha vá à falência, ele próprio não estará falido. Estamos, portanto, lidando aqui com uma
questão de circunstâncias individuais e não de generalizações grosseiras.
Suponha, ademais, que o
"distributivismo" estivesse em vigor durante a Revolução Industrial na
Grã-Bretanha no final do século XVIII.
Certamente, teríamos ouvido infindáveis lamúrias a respeito da crescente
concentração de poder econômico e o dramático crescimento no número de
pessoas
trabalhando em troca de salários. Mas o
que provavelmente não teríamos ouvido seriam declarações sobre as reais
condições daquelas pessoas que estavam procurando emprego nas fábricas.
Elas não foram afortunadas o bastante para
conseguir uma vida rentável na agricultura, e também não haviam sido
agraciadas
por suas famílias com as ferramentas necessárias para empreender algum
ofício
independente e operar algum pequeno estabelecimento, algo que encantas
os
distributivistas. Se elas, portanto, não
tivessem tido a oportunidade de trabalhar em troca de salários, suas
famílias
simplesmente iriam morrer de fome. É
realmente simples assim.
O capitalismo,
e não o distributivismo, foi o que literalmente salvou essas pessoas da
mais
completa penúria, e tornou possível o enorme crescimento da população,
da
expectativa de vida, da saúde, e do padrão de vida geral — crescimento
esse
que foi o maior que a Inglaterra já havia vivenciado até a época e que
mais
tarde se difundiu por toda a Europa ocidental.
Em um
livro corrigindo o viés esquerdista dos velhos livros de história sobre a
Revolução Industrial, o Prêmio Nobel F.A. Hayek reforçou esse ponto. "O proletariado que o capitalismo 'criou'",
escreveu ele, "não representava uma fatia de pessoas que teria existido sem ele
e que foram degradadas justamente pelo capitalismo a um nível mais baixo; tal
proletariado representava, na realidade, uma população adicional que só pôde
crescer em decorrência das novas oportunidades de emprego criadas pelo
capitalismo."
Ludwig von Mises elabora
ainda mais esse mesmo ponto:
É uma distorção dos fatos dizer que as fábricas arrancaram as donas de casa de seus lares ou as crianças de seus brinquedos. Essas mulheres não tinham como alimentar os seus filhos. Essas crianças estavam carentes e famintas. Seu único refúgio era a fábrica; salvou-as, no estrito senso do termo, de morrer de fome.
É deplorável que tal situação existisse. Mas, se quisermos culpar os responsáveis, não devemos acusar os proprietários das fábricas, que — certamente movidos pelo egoísmo e não pelo altruísmo — fizeram todo o possível para erradicá-la. O que causava esses males era a ordem econômica do período pré-capitalista, a ordem daquilo que, pelo que se infere da leitura das obras destes historiadores, eram os "bons velhos tempos".
Nas primeiras décadas da Revolução Industrial, o padrão de vida dos operários das fábricas era escandalosamente baixo em comparação com as condições de seus contemporâneos das classes superiores ou com as condições atuais do operariado industrial. A jornada de trabalho era longa, as condições sanitárias dos locais de trabalho eram deploráveis.
A capacidade de trabalho do indivíduo se esgotava rapidamente. Mas prevalece o fato de que, para o excedente populacional — reduzido à mais triste miséria pela apropriação das terras rurais, e para o qual, literalmente, não havia espaço no contexto do sistema de produção vigente —, o trabalho nas fábricas representava uma salvação. Representava uma possibilidade de melhorar o seu padrão de vida, razão pela qual as pessoas afluíram em massa, a fim de aproveitar a oportunidade que lhes era oferecida pelas novas instalações industriais.
O distributivismo, dentro
deste contexto, teria simplesmente privado milhares de pessoas destas
oportunidades, gerando resultados cruéis para o mesmo proletariado que tal
doutrina alega defender.
Também constantemente sob
ataque dos distributivistas está a sempre difamada "busca pelo lucro". O argumento emocional é o de que tal prática,
além de não ter nada de meritória, é totalmente imoral. No entanto, é certo que nem mesmo um
distributivista negaria — dado que seria incoerência — ser moralmente lícito
um indivíduo querer melhorar sua situação, tanto para si próprio quanto para
sua família. Ademais, mesmo a caridade
para os mais pobres irá requerer o auxílio de pessoas ricas, e esta riqueza
terá de ser adquirida de alguma forma.
Porém, sem a "busca pelo lucro", simplesmente não há como saber ao certo
se este moralmente legítimo desejo do indivíduo de melhorar sua situação e a de
sua família está sendo buscado de maneira a beneficiar a sociedade como um
todo, e não apenas ele.
Ao longo dos anos, tem
havido um enorme esforço concertado para fazer troça da "mão invisível" de Adam
Smith, a imagem pela qual Smith procurou descrever o salutar processo por meio
do qual o desejo de cada indivíduo de melhorar sua condição acaba também
beneficiando aqueles à sua volta; e alguns moralistas argumentam que o fato de
o padeiro fazer o seu pão não por benevolência, mas sim por estar em busca do
lucro, é algo que merece apenas condenação do ponto de vista moral.
No entanto, há apenas
duas opções em jogo: ou o indivíduo busca seus objetivos sem qualquer consideração pelas necessidades e desejos de seus conterrâneos,
ou ele age levando em consideração
estas necessidades. Não há uma terceira
opção. Ao buscar "maximizar os lucros",
motivação esta rotineiramente tratada como sendo um terrível flagelo
sobre a
civilização, o indivíduo está apenas garantindo que seus talentos e
recursos sejam dirigidos para aquelas áreas que seus conterrâneos, por
meio do
sistema de preços, indicaram ser a mais urgentemente demandada e
necessitada. Em outras palavras, o
sistema de preços, e o sistema de lucros e prejuízos cujo cálculo o
sistema de
preços possibilita, obriga o indivíduo a planejar suas atividades em
conformidade com as necessidades expressadas pela sociedade. Tal
atitude implica necessariamente uma
administração sensata e racional das coisas físicas existentes no
planeta.
É assim que uma sociedade
racional e civilizada garante que seus recursos serão alocados e distribuídos
não de acordo com algum esquema arbitrário, mas sim de acordo com as
necessidades e desejos das pessoas. A
busca pelo lucro, possibilitada pelo sistema de preços, portanto, permite não
apenas a cooperação social, mas também o uso mais eficiente possível dos
recursos escassos. Sem a busca pelo
lucro, como demonstrou Mises em seu clássico ensaio sobre a impossibilidade
do cálculo econômico sob o socialismo, a civilização literalmente irá
retroceder à barbárie.
Além do mais, nenhum
moralista discordaria que uma vida de total comodismo e permissividade é
moralmente inferior a uma vida em que a riqueza do indivíduo é colocada a
serviço de investimentos produtivos e duradouros. Mas até mesmo levantar esta questão é retirar
a atenção do problema real. Já deveria
ser óbvio que reconhecer a "busca pelo lucro" não significa dizer que as
pessoas deveriam pensar apenas em dinheiro, ou que o dinheiro é mais importante
do que Deus, ou qualquer outra tolice.
Como explicou Mises,
A imensa maioria da humanidade se esforça para ter uma maior e melhor abundância de comida, roupas, casas e outros bens materiais. Ao considerarem como melhoria e progresso uma elevação no nível de vida das massas, os economistas não estão aderindo a um materialismo mesquinho. Estão simplesmente reconhecendo o fato de que as pessoas são motivadas pelo desejo de melhorar as condições materiais de sua existência. Julgam as políticas do ponto de vista dos objetivos que os homens querem atingir. Quem desdenha a queda na taxa de mortalidade infantil e o gradual desaparecimento da fome e das epidemias, que atire a primeira pedra no materialismo dos economistas (ênfase minha).
A questão é que, uma vez
que sabemos que o indivíduo possui razões perfeitamente válidas para buscar o
mais alto retorno para seu investimento, ou para obter o mais alto salário
possível, em vez de perdermos nosso tempo com lamentos tolos e irrelevantes a
respeito das pessoas gananciosas deste mundo — uma questão de filosofia moral
e não de economia —, devemos empregar a razão humana para aprendermos como
este desejo perfeitamente moral de querer obter ganhos resulta em benefícios para
a sociedade como um todo, pois gera a produção daquilo que sociedade
urgentemente demanda em vez de mais daquilo que a sociedade já desfruta em abundância. Posto desta forma, o
sistema de lucros e prejuízos de uma economia baseada na divisão do trabalho —
uma instituição indispensável para qualquer sociedade civilizada —
repentinamente se revela não apenas profundamente moral, como também algo essencial,
sendo provavelmente por este motivo que os oponentes do capitalismo nunca se
referem aos lucros desta forma.
Se quisermos que a força
motriz que proporcionou o enorme avanço no padrão de vida que todas as pessoas
do mundo desfrutaram ao longo dos últimos dois séculos não seja destruída, é
essencial que entendamos o mecanismo que torna possível a sua existência. Tal apreciação por estes indispensáveis
aspectos da liberdade econômica está completamente ausente da mentalidade dos
defensores do distributivismo — os quais, em sua ânsia para caricaturar o
mercado como sendo um local de incessante "exploração" e ganância,
consistentemente ignoram ou menosprezam suas conquistas e virtudes.
Dado que é muito mais
difícil para um indivíduo crescer na virtude e salvar sua alma se estiver
vivendo na mais completa penúria, seria de se esperar que os pretensos
moralistas e piedosos demonstrassem maior apreciação pelo sistema que
possibilitou a maior criação de riqueza que o mundo já vivenciou —
incluindo-se aí um assombroso aumento da expectativa de vida, da ingestão de
calorias, da qualidade das moradias, da educação, da alfabetização, e de
incontáveis outras coisas boas, bem como reduções dramáticas da mortalidade
infantil, da fome e das doenças. E,
contrariamente ao que asseguram os propagandistas, nada poderia ser mais óbvio
do que o fato de que os benefícios do capitalismo aprimoraram exponencialmente a
vida dos mais pobres.
Faça o leitor uma
experiência imaginária: suponha que um ancestral do ano 1700 pudesse ser
transportado para a nossa época atual para vivenciar um dia rotineiro na vida
de Bill Gates. Ele sem dúvida ficaria
impressionado com algumas coisas que tornam a vida de Bill Gates algo sem
paralelos.
Porém, um bom palpite é que,
dentre estes aspectos que tornam a vida de Gates inigualável, aqueles que mais
impressionariam o ancestral seriam o fato de que Gates e sua família não têm de
se preocupar com a possibilidade de morrerem de fome; que eles tomam banho
diariamente; que eles utilizam várias roupas limpas ao longo do dia; que eles
possuem dentes claros e saudáveis; que doenças como varíola, pólio, difteria,
tuberculose, tétano e coqueluche não apresentam riscos substanciais; que as
chances de Melinda Gates morrer durante o parto são de aproximadamente 1/60 em
relação a um parto em 1700; que cada filho do casal tem aproximadamente 40
vezes mais chances de sobreviver à sua infância em relação às crianças da era
pré-industrial; que os Gates possuem geladeiras e congeladores em suas casas
(sem mencionar forno microondas, lava-louça, rádio, televisão, DVD,
computadores etc.); que a semana de trabalho dos Gates é de apenas cinco dias e
que a família tira várias semanas de férias por ano; que cada filho dos Gates
recebe mais de uma década de educação escolar; que os Gates rotineiramente
fazem viagens aéreas para locais distantes em questão de horas; que eles conversam
sem nenhum esforço com pessoas que estão a milhares de quilômetros de
distância; que eles frequentemente usufruem das soberbas performances dos
melhores atores e atrizes do mundo; que os Gates podem, sempre que quiserem e
onde puderem, ouvir uma sonata de Beethoven, uma ópera de Puccini ou uma balada
de Frank Sinatra.
Em outras palavras, o que
mais impressionaria nosso visitante são justamente os aspectos da vida de Gates
que o magnata possui em comum com boa
parte das pessoas do mundo (principalmente dos países desenvolvidos). Por outro lado, quando você considera as
diferenças que caracterizavam ricos e pobres antes da Revolução Industrial, o
mito de que "o capitalismo promove a desigualdade" é desmascarado como uma
ficção ignorante, uma história sem nenhum fundamento.
Escondida por baixo de
todas essas críticas rotineiramente feitas ao mercado está uma ingenuidade a
respeito do estado que realmente desafia por completo a lógica da mente humana.
Diga o que quiser a respeito de qualquer
empresa da qual você não goste, e eu irei apenas lhe dizer que tal empresa não
é a responsável por confiscar 40% da renda das pessoas para gastar em coisas moralmente repugnantes. Tampouco é
ela quem me proíbe de comercializar com o estrangeiro que mais me aprouver, que
me impede de ter mais opções no mercado por causa de suas regulamentações, que encarcera
pessoas pelo "crime" de ter ingerido ou injetado coisas em seus próprios
organismos, que gerencia um sistema educacional que produz idiotas "multiculturais"
em massa, e que despeja pessoas de suas propriedades com o intuito de fazer
obras públicas naquele local.
Empresas privadas, mesmo
as maiores, podem ir à falência. O
estado, não. Por mais fã de
regulamentações que um indivíduo seja, a simples sugestão de que o aparato
estatal deva ganhar mais poderes, ou que tais poderes certamente não seriam
utilizados depravadamente, é algo que realmente requer algum tipo de
justificação que até o momento ninguém logrou apresentar.
Por fim, não deixa de ser
curioso que os críticos da "imoralidade" do mercado não tenham estudado a sério
as contribuições dos escolásticos
espanhóis, cujas observações críticas sobre uma variedade de questões
econômicas deveriam ser mais profundamente difundidas. Porém, como estes escolásticos se
posicionaram ao lado da liberdade econômica, os distributivistas os tratam como
anátemas. É de se lamentar, pois os escolásticos eram
teólogos que não apenas apresentaram princípios morais, como também procuraram
entender os mecanismos daquilo que estavam discutindo, isto é, o sistema de
mercado.
Somente por meio de um genuíno conhecimento dos
mecanismos da economia livre, em vez de sua caricatura, pode a dimensão moral
da ciência econômica ser sensatamente discutida.
FONTE: www.mises.org.br
é um membro sênior do Mises Institute, especialista
em história americana. É
o autor de nove livros, incluindo os bestsellers da lista do New York
Times The Politically Incorrect Guide to
American History e,
mais recentemente, Meltdown: A Free-Market Look at Why the Stock
Market Collapsed, the Economy Tanked, and Government Bailouts Will Make Things
Worse. Dentre seus outros livros de sucesso,
destacam-se Como
a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental (leia um capítulo aqui),
33
Questions About American History You're Not Supposed to Ask e The
Church and the Market: A Catholic Defense of the Free Economy (primeiro
lugar no 2006
Templeton Enterprise Awards). Visite seu novo website.
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