Vera
Lúcia Albuquerque: punição a empreiteira amiga do Planalto por trabalho
escravo rendeu-lhe a demissão. Afinal, é um governo “progressista”…
Na próxima
semana, o Diário Oficial da União vai publicar a exoneração de Vera
Lúcia Albuquerque, secretária de Inspeção do Trabalho do Ministério do
Trabalho.
A servidora ocupava o cargo havia quase dois anos e, nos
últimos meses, começou a ser pressionada para não cumprir o seu dever.
Em março do ano passado, fiscais do Ministério do Trabalho depararam em
Americana, no interior de São Paulo, com uma daquelas cenas que ainda
constrangem o Brasil.
No canteiro de obras de uma empreiteira
responsável pela construção de residências do projeto Minha Casa, Minha
Vida — o mais ambicioso programa habitacional do governo federal para a
população de baixa renda –, foram resgatados 64 trabalhadores mantidos
em condições tão precárias que, tecnicamente, são descritas como
“análogas à escravidão”. Eles eram recrutados no Nordeste e recebiam
adiantamento para as despesas de viagem, hospedagem e alimentação. A
lógica é deixar o trabalhador sempre em dívida com o patrão. Assim, ele
não recebe salário e não pode abandonar o emprego. É o escravo dos
tempos modernos.
Eis
o alojamento oferecido pela empreiteira amiga do Planalto aos
companheiros de Dilma Rousseff; trabalhadores “deviam” dinheiro à
empresa e não podiam deixar o trabalho
Os fiscais
de Vera Lúcia encontraram trabalhadores em condições irregulares nos
canteiros de obras tocadas pela MRV, a principal parceira do governo no
Minha Casa, Minha Vida. Isso colocou a construtora na lista das empresas
que mantêm seus empregados em condições degradantes, o que as impede de
fazer negócios com a União e receber recursos de órgãos oficiais.
Assim, em obediência às regras, a Caixa Econômica Federal suspendeu
novos financiamentos à MRV, cujas ações perderam valor na bolsa.
O que
Vera Lúcia não sabia é que muita gente acima dela considera a
construtora intocável. Ela conta que começou a receber pressões de seus
superiores no ministério para tirar a MRV da “lista suja”. A auditora
resistiu, mas as pressões aumentaram muito depois de uma visita de
Rubens Menin, dono da MRV, ao ministro do Trabalho, Brizola Neto.
Desde
então, ela passou a ser questionada pelos assessores do ministro sobre a
legitimidade da inspeção da obra de Americana. Um deles chegou a
insinuar que os fiscais não tinham critérios nem qualificação para
autuar as empresas. “Estão querendo pôr um cabresto político na inspeção
do trabalho”, disse Vera, dias depois de renunciar ao cargo.
Após a
incursão no Ministério do Trabalho, Menin e diretores procuraram Maria
do Rosário, ministra da Secretaria de Direitos Humanos, e Gilberto
Carvalho, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Eles
tentaram demonstrar que os problemas apontados pela inspeção já haviam
sido resolvidos.
Na conversa com a ministra Maria do Rosário, a
construtora se ofereceu para aderir ao Pacto Nacional pela Erradicação
do Trabalho Escravo, convenção entre o governo, entidades da sociedade
civil e empresas. “Ainda assim, pelas regras, não havia como tirar a MRV
da lista”, disse José Guerra, coordenador-geral da Comissão Nacional de
Erradicação do Trabalho Escravo.
Pressão
sobre Vera Lúcia cresceu depois que empreiteiro falou com Brizola Neto
(acima), cujo primeiro emprego da vida é ser ministro do… Trabalho!!!
Além da
falta de pagamento de salários e da retenção da carteira de trabalho, os
fiscais encontraram o alojamento em péssimas condições de higiene, além
de comida de má qualidade e estragada. O relatório da fiscalização
listou 44 infrações na obra, comprovadas por meio de fotos e depoimentos
de trabalhadores. “Os trabalhadores tinham restringido seu direito de
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador, da retenção de
suas carteiras de trabalho e, principalmente, por meio do não pagamento
do salário”, diz o relatório.
Assinado por dois auditores fiscais, o
documento afirma que a MRV usou empresas terceirizadas para diminuir
custos trabalhistas e aumentar a margem de lucro do empreendimento: “Os
contratos de prestação de serviços firmados pela MRV não passam de
simulacros”. Os fiscais também registraram o fato de que os
proprietários das empresas terceirizadas eram ex-funcionários da própria
MRV.
Entre 2003
e 2011, o governo flagrou 35 000 trabalhadores mantidos em condições
degradantes. A maior parte dos casos ainda ocorre em fazendas do Norte,
mas eles já não são mais uma raridade em áreas urbanas. A fiscalização e
a inclusão das empresas infratoras no cadastro são os instrumentos mais
eficientes para inibir a ação dos exploradores. Vera acredita nisso e
não cedeu. Só restou ao ministro Brizola Neto indeferir o pedido de
reconsideração feito pela MRV ao ministério. A empresa, porém, conseguiu
decisão favorável, em caráter liminar, no Superior Tribunal de Justiça.
Por essa razão, setores do governo estudam mudanças nos critérios de
inspeção. “Há um debate sobre a necessidade de aperfeiçoar os
procedimentos de inclusão de empresas na lista, para evitar que eles
possam ser questionados na Justiça, como vem ocorrendo”, informa a
Secretaria-Geral da Presidência. Fica a lição: não apenas a escravidão,
mas as demais mazelas do país tendem a se perpetuar enquanto as Veras
Lúcias do serviço público forem obrigadas a sair do caminho por se
recusarem a trair sua consciência e compactuar com o erro.
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