A
impressão que temos hoje é de que o libertarianismo é uma ideologia
extremamente dogmática, não uma corrente filosófica. Isso porque a grande
maioria dos libertários atualmente são movidos por uma ideologia que eles
criaram com base do relativismo iluminista. Ora, a filosofia tem como objetivo
alcançar a verdade. O libertarianismo é uma doutrina filosófica ética-jurídica.
E o que é ética? É parte da filosofia encarregada da investigação do comportamento.
Quanto a moral, é algo mais abrangente. É o que nos orienta para o
comportamento adequado para a sociedade. Logo, o libertarianismo é uma doutrina
filosófica ética-jurídica com o objetivo de demonstrar que a liberdade deve ser
legalmente maximizada, i.e., o estado deve ser aniquilado, uma vez que ele é
legal e eticamente ilegítimo por violar os princípios básicos da ética e moral.
A moral como conhecimento objetivo e guia
Ora, a moral deve ser então algo objetivo. Ou
seja, ela deve ser como é independente das opiniões e vontades alheias. A moral
humana deve seguir assim a Lei Natural. Mas existe uma Lei Natural? Sim. O
Doutor Angélico já afirmou que “entre todas as criaturas, a racional está
sujeita à Divina Providência de modo mais excelente, por participar ela própria
da providência, provendo a si mesma e às demais. Portanto, participa da razão
eterna, donde tira a sua inclinação natural para o ato e o fim devidos. E a
essa participação da lei eterna pela criatura racional se dá o nome de lei
natural” (Suma Teológica IaIIæ, q. 91, a. 2). Murray Rothbard em A
Ética da Liberdade quis demonstrar que a Lei Natural para ser constatada
não seria necessário uma revelação divina ou experiência religiosa, mas que
bastaria a razão.
Resumindo: Rothbard procurou adequar a filosofia tomista ao
racionalismo (o que não deixa de ser um erro, já que o racionalismo em si
rejeita a ideia de que a fé é uma ferramenta que auxilia a razão de chegar à
verdade. Em geral é visto como uma parte do fideísmo).
Rothbard escreveu no
primeiro capítulo:
A declaração de que existe uma ordem de lei
natural, resumidamente, deixa em aberto a questão de se foi ou não Deus quem
criou tal ordem; e a afirmação de que a razão humana tem capacidade para
descobrir a ordem natural deixa em aberto a questão de esta razão ter ou não
sido dada ao homem por Deus. A afirmação de uma ordem de leis naturais passível
de descoberta pela razão não é, por si só, nem pró e nem antirreligiosa. [1]
Decerto pode não ser nem pró e nem
antirreligiosa, mas o que vemos dentro de uma visão utilitarista é a rejeição
da Lei Natural. Ora, como o Santo Tomás define a Lei Natural? Como a
participação da Lei Eterna pela criatura racional, que é o homem. Apenas o
homem é racional. Para existir a Lei Natural, é necessário que ela derive de
outra maior. O homem não rouba (ou a maioria não faz isso) não porque não
compensa como dizem os utilitaristas, mas sim porque é da natureza do homem
evitar esse tipo de coisa. Mesmo nas mais bestiais tribos os criminosos sempre
são a minoria. E esses criminosos refutam a existência da Lei Natural?
Obviamente que não. C. S. Lewis deixou bem claro com relação à Lei Natural após
responder a algumas objeções:
Parece, portanto, que só nos resta aceitar a
existência de um certo e um errado. As pessoas podem volta e meia se enganar a
respeito deles, da mesma forma que às vezes erram numa soma; mas a existência
de ambos não depende de gostos pessoais ou de opiniões, da mesma forma que um
cálculo errado não invalida a tabuada. Se concordamos com estas premissas,
posso passar à seguinte: nenhum de nós realmente segue à risca a Lei Natural. [2]
Sim, ninguém segue à risca a Lei Natural, i.e.,
todos nós pecamos. Obviamente que para resolver isso precisamos de leis humanas
para resolver os conflitos provocados pela desobediência da Lei Natural. E
essas leis humanas não necessariamente devem derivar do estado. Leis humanas
são meramente a adequação da Lei Natural à natureza humana. E pelo fato do
homem evoluir, a lei humana – ao contrário da Lei Natural e a Lei Eterna – está
em constante mudança. Poligamia, por exemplo, já foi socialmente aceito, assim
como a pedofilia, mas isso não significa que isso já foi “certo”. Nem tudo que
é socialmente aceito deve ser considerado certo. Ora, o fato de se já ter
acreditado alguma vez que o sol é uma rocha incandescente não significa que ele
realmente tenha sido isso no passado e hoje é uma estrela
predominantemente composta de hidrogênio e hélio. A base das leis humanas é
basicamente uma só: a propriedade privada.
Propriedade privada e as leis humanas
Libertários anticristãos torcem o nariz para a
filosofia tomista por achar o Doutor Angélico um “estatista”. Santo Tomás não
era estatista. Ele apenas fazia análises políticas dentro do contexto do seu
tempo. Na época ele não tinha noção de uma sociedade sem estado. Mas as suas
ideias podem muito bem ser aplicadas na teoria anarcocapitalista. Ora, segundo
Santo Tomás para que serve a lei humana? Como ele mesmo responde:
[…] é necessário que sejam coibidos do mal pela
força e pelo medo, para que ao menos assim, desistindo de fazer mal, e deixando
a tranqüilidade aos outros, também eles próprios pelo costume sejam levados a
fazer voluntariamente o que antes faziam por medo, e deste modo se tornem virtuosos.
Ora, essa disciplina, que coíbe pelo temor da pena, é a disciplina das leis.
Por onde é necessário, para a paz dos homens e para a virtude, que se
estabeleçam leis (S. T. IaIIæ., q. 95, a. 1).
Ora, isso se aplica na nossa propriedade privada.
Uma propriedade privada muito bem protegida, intimida um possível invasor.
Principalmente se um dono for severo na hora de punir ou expulsar um invasor.
As leis privadas não deixam de ser leis humanas e quase sempre baseadas na Lei
Natural.
Quando escrevi o artigo “Lei, Justiça e
Anarcocapitalismo” [3]
foi justamente pensando em como uma sociedade sem estado se organizaria nessa parte.
Se olhar como o Santo Tomás defende a ideia de que as leis devem intimidar os
malfeitores numa sociedade com estado, vemos que essas leis teriam também a
mesma função na forma privada. Afinal, o que os malfeitores fazem além de
violar a propriedade privada alheia? O que é solucionar, prevenir e evitar
conflitos se não justamente usando a força contra esses malfeitores?
Ademais, como concluímos que a moral objetiva
existe defendendo uma sociedade com leis privadas, um exemplo de ordem social
com uma organização aparentemente tão subjetivista? Podemos dizer que há um
parâmetro para ver qual lugar no mundo é o melhor exemplo de uma sociedade
justa. Da mesma forma que julgamos que a Audrey Hepburn era mais bonita nos
anos 1950 do que a Preta Gil nos tempos de hoje, podemos reconhecer que há um
parâmetro de perfeição na beleza inalcançável para qualquer mortal e que a
atriz belga certamente esteve muito mais próxima desse parâmetro naquela época
do que a “cantora” brasileira.
Ora, o mesmo podemos dizer sobre as ordens
sociais existentes. Ninguém nega que Zurique está muito mais próxima da
sociedade ideal do que Havana ou Pyongyang (a menos que você seja um idiota e
crer no contrário), mas eu posso afirmar de forma convicta que o
anarcocapitalismo ofereceria uma ordem social mais justa e próspera do que
qualquer uma existente e que essa ordem seria a que mais se adequaria aos
ensinamentos que Jesus pregou no Sermão da Montanha (Evangelho Segundo São
Mateus, capítulos 5, 6 e 7), uma vez que é impossível existir uma
forma de governo que chegue perto de seguir os mandamentos de Deus.
Descristianização leva ao estatismo e aos
piores regimes
Pense nos regimes e governos mais despóticos,
tirânicos e pobres de todos os tempos. Pense em quais lugares houveram os
maiores genocídios e as piores guerras. Pense onde houveram e há os governos
mais repressores na censura e onde mais há doutrinação nas escolas. Em nenhum
deles verá um país com governo confessional cristão. Talvez se inclua uma ou
outra “teocracia” islâmica, mas o foco é: são nos países onde há o tão pedido
estado laico ou simplesmente onde cristãos foram perseguidos.
Ora, vejam a China maoísta, a União Soviética,
Cuba dos irmãos Castro, a Kampuchea Democrática, o Vietnã de Ho Chi Minh, a
Coreia do Norte, as teocracias islâmicas e principalmente a França
pós-Revolução Francesa. [4]
Por que esses regimes eram tão totalitários, genocidas,
repressores, tirânicos e despóticos? Ora, não existe bem ou mal para ninguém
que nega a cristandade. Quanto mais governos! Alguns retrucaram que Rothbard e
Hoppe não são religiosos e aceitam a ideia de uma moral objetiva (ainda que
Rothbard não tenha sido um eticista exemplar como mostra o seu escrito sobre o
direito das crianças [5]),
mas nenhum deles é antirreligioso. [6]
Não podemos esquecer que esses governos laicos,
i.e., anticristãos, são quase todos bem democráticos muito preocupados com a
desigualdade social e direitos positivos. Mesmo que um governo confessional
cuja base constitucional e legislativa seja cristã não consiga ser totalmente
coerente com a doutrina, é em tese impossível ser como esses governos citados.
Mesmo no período da chamada “Idade das Trevas”, o estado era minúsculo e o
direito de propriedade era muito respeitado (muito mais do que hoje). Mas
podemos ir mais longe: Hoppe descreve os feudos como “ordens sociais sem
estado”, ainda que esses feudos sejam concessões reais, eles não podem ser
definidos como estados porque a sua organização não se caracteriza como um. [7]
Ora, não se pode esquecer que depois que a
perseguição aos cristãos parou na Europa, a Igreja Católica passou a construir
a base da sociedade ocidental que conhecemos hoje. Hospitais, creches,
universidades, escolas, orfanatos, etc, só começaram a proliferar graças ao
trabalho de caridade da Igreja, [8]
coisa que o estado laico não está interessado em fazer. A não ser que seja com
uma arma apontada na testa de qualquer pessoa que ganhe seu dinheiro
honestamente (bandidos podem até ir para cadeia, mas não sofrem com cobranças
incessantes de impostos).
Libertarianismo ideológico vs. busca da
verdade
Para concluir esse artigo resolvi escrever essa
seção um tanto provocativa. Mas o tom provocativo é bem intencionado, uma vez
que o autor é uma alma temente a Deus e muito bem intencionada.
Uma coisa que percebi é que os libertários
idealistas são idênticos aos ateus numa coisa: ambos são o que são por razões
subjetivas e/ou ideológicas. Jamais por razões metodológicas e/ou racionais.
Por que o ateu é ateu?
Nunca será por razões racionais e muito menos
científicas. Eles sempre colocarão razões ideológicas e subjetivas para
justificar o seu ateísmo. Lembro de uma amiga lésbica que dizia que “não tem
por que acreditar em um deus que condena mulheres ao Inferno por gostar de
chupar vaginas”. Obviamente é um motivo bem irracional para não acreditar em
Deus, seria como se sentir reprimido por não poder beber veneno por dizerem que
se beber, mata. A solução para se sentir mais liberto seria acreditar que tal
veneno não mata.
Mas temos exemplos mais infantis. Estes são os
libertários anticristãos. Uma ordem cancerígena de libertários que teria
surgido com Max Stirner, um ateu, existencialista, niilista e egoísta
atomístico. Inclusive já vi um dito libertário dizer que “a ética stirneriana
[considerando que Stirner tenha uma] é superior a rothbardiana ou hoppeana”. Só
nessa afirmação já vemos que o rapaz não vê a ética como uma verdade a ser
alcançada.
Ele escolhe uma proposta de um filósofo que escreve livretos para
adolescentes ao mesmo estilo de Nietzsche [9]
e diz que melhor como alguém que escolhe um filme independente para assistir no
cinema. Meu amigo, a ética não é marca de video-game. A ética é um debate onde
não devemos procurar um vencedor para elevar o nosso ego. A ética é uma busca
pela verdade! Você acha mesmo que um existencialista e niilista com
conhecimento infantil sobre a religião e ética vai acrescentar algo num debate
tão importante? É no mínimo uma piada de muito mau gosto!
O mesmo vale para os randianos. Eles não buscam a
verdade. Eles não admiram a Ayn Rand por ela buscar a verdade, mas por atrair
ovelhas pelo discurso com suas frases de efeito replicadas por aí que foram
garimpadas de seus textos prolixos. Ora, a filosofia é a busca pela verdade!
Não pelos ideais que dão mais resultados! Por isso que os utilitaristas como
ideólogos são tão desprezíveis.
A verdade não interessa a eles, mas resultados
e o bem-estar. Por isso os libertários ideológicos e anticristãos também são
tão desprezíveis. Eles não buscam a verdade, mas querem selecionar o que
acaricia o seu ego enorme e ao mesmo tempo frágil. Eles conhecem gente de Max
Stirner, Ayn Rand, David Friedman, Friedrich Nietzsche, Albert Camus, Voltaire
e outros seres que só prestaram desserviço. Eles não conhecem Aristóteles,
Platão, Sócrates, Santo Tomás de Aquino, Santo Agostinho de Hípona, Santo
Anselmo de Cantuária, Santo Alberto Magno, Boécio, Eric Voegelin, Louis
Lavelle, G. K. Chesterton, José Ortega y Gasset, Averrois, Avicena, Mário
Ferreira dos Santos, etc.
Em suma: randianos, utilitaristas,
antirreligiosos, left-lib, liberais, etc, procuram fugir da realidade porque
uma filosofia verdadeiramente bem exercida com o seu verdadeiro fim (buscar a
verdade) é demais para eles. Santo Tomás costumava dizer que “a verdade
é adequação do intelecto à coisa” [10]
enquanto que Michel Foucault – um dos mais nocivos, desprezíveis e
insignificantes filósofos da história – costumava dizer que “a
verdade é nada mais é do que uma construção do discurso, mudando de acordo com
as variações e ideológicas, em diversos momentos da história”. [11]
Os “libertários” citados estão muito mais com Foucault do que com o Doutor
Angélico. Muitos libertários acreditam na ideologia de gênero, por exemplo. Se
dissermos que um transexual é um homem que se acha mulher ou vice-versa, eles
se escandalizariam. Justamente porque para eles a verdade é a adequação da
coisa ao intelecto e não ao contrário como propõe o Doutor Angélico. Ou seja,
eles acreditam que são Deus. Eles definem a verdade com o pensamento.
Conclusão
Libertários que priorizam a ideologia e/ou são
anticristãos não podem se dizer libertários porque rejeitam a busca da verdade.
Se para eles a moral não é objetiva, eles não podem sequer demonstrar que o
maoísmo ou nazismo é errado.
O libertário deve defender uma moral
objetiva porque somente assim o estado pode ser provado como
ilegítimo. Se a moral for subjetiva, não teria porque objetarmos contra
impostos, intervenções, guerras, genocídios, etc. Como o Stirner poderia ser
anarquista se ele era amoral e niilista? Stirner não pode ser contra o estado
se ele era niilista. Ora, se a moral objetiva e os direitos naturais não
existem, como se poderia provar que o estado é imoral? Não se pode provar a
imoralidade de algo se isso depende da opinião.
Os utilitaristas acusam os defensores da moral
objetiva (em geral os jusnaturalistas) de “defensores do monopólio da moral e
da ética”. Ora, isso é como acusar o conhecedor da tabuada como monopolizador
da mesma e afirmar que o resultado das multiplicação pode ser subjetiva.
Conhecimento e a verdade não podem ser monopolizados. Imagine se você viaja de
trem e alguém desperta ao seu lado e pergunta como o trem está parado e a paisagem
andando. Você responde que na verdade o trem está andando e que ele está
enganado, aí ele te acusa de querer ser o monopolizador do movimento porque
aponta de forma intuitiva dizendo que o trem está parado porque ele pega um
isqueiro do bolso e joga ao alto e cai na sua mão e diz que isso não
aconteceria num trem em movimento. Esse cara que acordou no meio da viagem é o
utilitarista.
Por isso muitos conservadores (erroneamente)
acusam os libertários de serem braços auxiliares da esquerda. De fato a grossa
maioria dos que se declaram libertários realmente são isso mesmo ou coisa pior.
Tudo porque são relativizadores morais. Por isso é bom deixar claro: a ordem
social libertária jamais virá de uma sociedade onde a maioria da população
acredita que a moral é uma questão de opinião pessoal.
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