Todos admiram, mesmo que secretamente, pessoas que recusam o cinismo predominante e brindam os seus próximos com uma amostra do que é a virtude em ação.
O novo filme de Clint Eastwood começa com o sermão de um pastor sobre o apóstolo Paulo. O que Paulo ensinava e fazia, explica o ministro, era motivo de escândalo para a maioria dos seus contemporâneos. Mas Paulo tinha dentro de si a convicção de estar fazendo a coisa certa.
Chris Kyle está no culto com sua família. Ele ainda é uma criança, mas ouve atento o pastor explicar que somos incapazes de decifrar o padrão de Deus nos eventos que ocorrem na nossa vida. Só podemos considerar real e verdadeiro o que podemos enxergar?
Não se engane pelo cenário da história ou seu contexto histórico. American Sniper não é sobre a Guerra do Iraque – nem contra e nem a favor – ou sobre qualquer aspecto da vida militar.
O drama de Clint Eastwood é sobre os dilemas morais enfrentados por homens de convicção em um mundo no qual a defesa de qualquer princípio – por mais óbvio que seja – é vista como uma atitude fundamentalista. A convicção é uma anomalia. O mundo jaz do relativismo.
Se você quiser defender uma visão moral, prepare-se para enfrentar dilemas terríveis. Se você quiser se sacrificar por algo maior, prepare-se para a solidão. Sim, solidão: ao dizer que está disposto a morrer pelo seu país, Kyle ouve da futura esposa: “você é um egocêntrico!”.
Chris Kyle é filho de um diácono e de uma professora de escola bíblica dominical. Desde cedo ele aprendeu que a defesa dos princípios básicos de certo e errado o colocaria em conflito com a maioria que há muito abandonou o “preto-no-branco” por mil tons de cinza.
Ainda menino, Kyle intervém em uma briga para defender seu irmão mais novo de um típico valentão. Ao ver seu irmão apanhando, ele não tem dúvidas: soca o garoto maior até lhe tirar sangue. Ao invés de lhe repreender, o seu pai lhe explica que as pessoas são divididas em três grupos: ovelhas, predadores e cães pastores que protegem as ovelhas “do Mal”.
“Algumas pessoas preferem acreditar que o Mal não existe. Mas se algum dia ele aparecer na sua porta, não saberão como se proteger. Essas são as ovelhas. E então existem os predadores. Eu e sua mãe não estamos criando ovelhas ou predadores”, adverte o diácono.
Kyle cresce como um típico jovem dos nossos dias. É um beberrão e mulherengo. Mas ele enxerga o que os outros não enxergam. Em certo dia, o noticiário que para seu irmão é entediante, para Chris Kyle é perturbador. E, como Saulo, ele caí do cavalo.
Como a luz do dia
As escolhas daquele que se tornaria o atirador de elite mais letal da história militar dos Estados Unidos são pautadas por um antiquado senso de moralidade. Não há espaço para o cinismo ou a meia-verdade no horizonte de Chris Kyle. Ele enxerga o Mal tão claro como a luz do dia. É essa característica singular que irá definir o seu destino para sempre.
Quando poderia se arriscar menos, Kyle desce às profundezas do labirinto infernal de Ramadi para ensinar soldados novatos sobreviverem um dia a mais. Quando sua esposa grávida pede que ele fique em casa, Chris Kyle volta ao Iraque para proteger seus amigos.
Em pouco tempo a insurgência iraquiana apelida Kyle de “o Diabo de Ramadi”- em referência a uma das cidades em que combateu – e coloca a sua cabeça a prêmio. Ele é temido por sua eficiência em matar. 160 mortes “oficiais”: tudo indica que o número seja maior (255).
O maior mérito de Chris Kyle, contudo, não reside no número de inimigos que ele abateu. Mas na quantidade de garotos que ele salvou com sua mira certeira. O filme faz um sutil e brilhante paralelo entre a visão moral distinta e a pontaria acima da média de Kyle.
Além do inimigo que espreita em cada janela e porta, o jovem texano é obrigado a enfrentar as dúvidas crescentes e o medo paralisante dos seus colegas de farda.
O agnóstico Eastwood fala no filme por meio de um jovem soldado que quase foi padre e é assaltado pela dúvida: Será que eles fazem a coisa certa? E será que vale a pena?
“O Mal existe. Nós já o vimos por aqui”, responde, serenamente, Chris Kyle. Eastwood mostra que o sniper mais admirado e temido da história dos EUA permaneceu até o fim com as convicções simples de um menino dedicado a proteger os inocentes dos bandidos.
A virtude em ação
Há muitos sub-dramas terríveis contidos nas decisões de Kyle, mas não vou abordá-los para que o leitor assista ao filme e possa se surpreender com cada dilema que surge na história.
Ao contrário do que se poderia imaginar, Eastwood não manifesta aprovação diante da moralidade “preto-no-branco” de Chris Kyle. Diante disso ele é novamente agnóstico.
Mas o velho mestre americano não deixa de mostrar que são de homens como Kyle que a sociedade precisa nos momentos mais tenebrosos, quando os lobos aparecem e recuamos como ovelhas confusas e apavoradas. Sem visão moral, sem senso de direção.
Hoje em dia os homens estão mais preocupados em ser queridos por todos e não conseguem defender qualquer princípio por mais de 5 minutos. Eles não acreditam mais em certo e errado. São cínicos. Para os quais “honra” e “sacrifico” são como peças de museu.
São bem poucos os que ainda enxergam o mundo como o apóstolo Paulo e Chris Kyle enxergavam. Mas todos admiram, mesmo que secretamente, pessoas que recusam o cinismo predominante e brindam os seus próximos com uma amostra do que é a virtude em ação. Clint Eastwood faz um elogio desses homens ilustres. Assista American Sniper.
Thiago Cortês escreve no blog Descortês.
O novo filme de Clint Eastwood começa com o sermão de um pastor sobre o apóstolo Paulo. O que Paulo ensinava e fazia, explica o ministro, era motivo de escândalo para a maioria dos seus contemporâneos. Mas Paulo tinha dentro de si a convicção de estar fazendo a coisa certa.
Chris Kyle está no culto com sua família. Ele ainda é uma criança, mas ouve atento o pastor explicar que somos incapazes de decifrar o padrão de Deus nos eventos que ocorrem na nossa vida. Só podemos considerar real e verdadeiro o que podemos enxergar?
Não se engane pelo cenário da história ou seu contexto histórico. American Sniper não é sobre a Guerra do Iraque – nem contra e nem a favor – ou sobre qualquer aspecto da vida militar.
O drama de Clint Eastwood é sobre os dilemas morais enfrentados por homens de convicção em um mundo no qual a defesa de qualquer princípio – por mais óbvio que seja – é vista como uma atitude fundamentalista. A convicção é uma anomalia. O mundo jaz do relativismo.
Se você quiser defender uma visão moral, prepare-se para enfrentar dilemas terríveis. Se você quiser se sacrificar por algo maior, prepare-se para a solidão. Sim, solidão: ao dizer que está disposto a morrer pelo seu país, Kyle ouve da futura esposa: “você é um egocêntrico!”.
Chris Kyle é filho de um diácono e de uma professora de escola bíblica dominical. Desde cedo ele aprendeu que a defesa dos princípios básicos de certo e errado o colocaria em conflito com a maioria que há muito abandonou o “preto-no-branco” por mil tons de cinza.
Ainda menino, Kyle intervém em uma briga para defender seu irmão mais novo de um típico valentão. Ao ver seu irmão apanhando, ele não tem dúvidas: soca o garoto maior até lhe tirar sangue. Ao invés de lhe repreender, o seu pai lhe explica que as pessoas são divididas em três grupos: ovelhas, predadores e cães pastores que protegem as ovelhas “do Mal”.
“Algumas pessoas preferem acreditar que o Mal não existe. Mas se algum dia ele aparecer na sua porta, não saberão como se proteger. Essas são as ovelhas. E então existem os predadores. Eu e sua mãe não estamos criando ovelhas ou predadores”, adverte o diácono.
Kyle cresce como um típico jovem dos nossos dias. É um beberrão e mulherengo. Mas ele enxerga o que os outros não enxergam. Em certo dia, o noticiário que para seu irmão é entediante, para Chris Kyle é perturbador. E, como Saulo, ele caí do cavalo.
Como a luz do dia
As escolhas daquele que se tornaria o atirador de elite mais letal da história militar dos Estados Unidos são pautadas por um antiquado senso de moralidade. Não há espaço para o cinismo ou a meia-verdade no horizonte de Chris Kyle. Ele enxerga o Mal tão claro como a luz do dia. É essa característica singular que irá definir o seu destino para sempre.
Quando poderia se arriscar menos, Kyle desce às profundezas do labirinto infernal de Ramadi para ensinar soldados novatos sobreviverem um dia a mais. Quando sua esposa grávida pede que ele fique em casa, Chris Kyle volta ao Iraque para proteger seus amigos.
Em pouco tempo a insurgência iraquiana apelida Kyle de “o Diabo de Ramadi”- em referência a uma das cidades em que combateu – e coloca a sua cabeça a prêmio. Ele é temido por sua eficiência em matar. 160 mortes “oficiais”: tudo indica que o número seja maior (255).
O maior mérito de Chris Kyle, contudo, não reside no número de inimigos que ele abateu. Mas na quantidade de garotos que ele salvou com sua mira certeira. O filme faz um sutil e brilhante paralelo entre a visão moral distinta e a pontaria acima da média de Kyle.
Além do inimigo que espreita em cada janela e porta, o jovem texano é obrigado a enfrentar as dúvidas crescentes e o medo paralisante dos seus colegas de farda.
O agnóstico Eastwood fala no filme por meio de um jovem soldado que quase foi padre e é assaltado pela dúvida: Será que eles fazem a coisa certa? E será que vale a pena?
“O Mal existe. Nós já o vimos por aqui”, responde, serenamente, Chris Kyle. Eastwood mostra que o sniper mais admirado e temido da história dos EUA permaneceu até o fim com as convicções simples de um menino dedicado a proteger os inocentes dos bandidos.
A virtude em ação
Há muitos sub-dramas terríveis contidos nas decisões de Kyle, mas não vou abordá-los para que o leitor assista ao filme e possa se surpreender com cada dilema que surge na história.
Ao contrário do que se poderia imaginar, Eastwood não manifesta aprovação diante da moralidade “preto-no-branco” de Chris Kyle. Diante disso ele é novamente agnóstico.
Mas o velho mestre americano não deixa de mostrar que são de homens como Kyle que a sociedade precisa nos momentos mais tenebrosos, quando os lobos aparecem e recuamos como ovelhas confusas e apavoradas. Sem visão moral, sem senso de direção.
Hoje em dia os homens estão mais preocupados em ser queridos por todos e não conseguem defender qualquer princípio por mais de 5 minutos. Eles não acreditam mais em certo e errado. São cínicos. Para os quais “honra” e “sacrifico” são como peças de museu.
São bem poucos os que ainda enxergam o mundo como o apóstolo Paulo e Chris Kyle enxergavam. Mas todos admiram, mesmo que secretamente, pessoas que recusam o cinismo predominante e brindam os seus próximos com uma amostra do que é a virtude em ação. Clint Eastwood faz um elogio desses homens ilustres. Assista American Sniper.
Thiago Cortês escreve no blog Descortês.
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